Não me irrita particularmente saber que parte importante do espólio das Viagens Filosóficas de Alexandre Rodrigues Ferreira estão há mais de cem anos no Museu de História Natural de França, em Paris. Nem me irrita particularmente saber que, durante as invasões francesas, vieram a Lisboa naturalistas franceses com a missão expressa de levar para Paris o que lhes aprouvesse dos espécimes recolhidos pelo “colega” português nos confins do Brasil. A pilhagem está na base de grande parte das coleções que vemos nos mais respeitáveis museus do mundo, nomeadamente nos museus portugueses. Não é isso, portanto, o que me incomoda nesta história. O que é muito irritante é que os espécimes recolhidos nas inéditas expedições de Alexandre Rodrigues Ferreira tenham sido apresentados em Paris durante mais de um século sob a indicação genérica “Gabinete da Ajuda” – tendo sido ignorado o nome do notável naturalista português. Isto, sim, é muito irritante.

Mas, pergunta-se, o nome do português é ignorado apenas porque os franceses são uns chauvinistas? A honestidade manda que reconheçamos que não é só por isso. O nome do naturalista português é apagado da História da Ciência porque ele mesmo tratou de não o fixar na História da Ciência. Depois dos nove duríssimos anos de expedições em territórios nunca antes inventariados pelo homem branco e depois de ter dirigido dezenas de milhar de primorosas recolhas, Alexandre Rodrigues Ferreira chegou à metrópole e não publicou os resultados da sua extraordinária façanha. Verdade se diga que, antes das invasões francesas, o nosso herói teve cerca de 20 anos para reclamar o lugar que lhe era devido entre pares. E não o fez. Eis uma história que nos é, esta sim, (irritantemente) familiar…