A revolução está a ser televisionada


As mudanças ocorridas depois do golpe de 25 de abril de 1974 influenciaram as diversas expressões artísticas em Portugal. Os filmes proibidos deixaram de o ser. As câmaras entre 1974 e 1976 colocaram em evidência as linhas ténues entre representação e realidade em virtude da urgência de mostrar os acontecimentos. Os partidos, os militares, as diversas associações, entre outros coletivos, utilizaram a televisão como um dos meios de comunicação primordiais e no teatro aparecerem muitos grupos independentes que diversificaram as temáticas representadas.

 

AS REPRESENTAÇÕES DA REVOLUÇÃO OU AS IMAGENS NUM TEMPO DE LIBERDADE E DE ESPERANÇA

Logo a seguir às primeiras notícias do 25 de abril as câmaras de cinema começaram a registar os acontecimentos. Cineastas profissionais ou improvisados saíram para a rua e reuniram o material que constitui um registo histórico não só desse dia como das transformações que ocorreram na sociedade portuguesa. O cinema cumpriu em primeiro lugar a função de reportagem que hoje é desempenhada pela televisão.

Pelo seu lado, o 25 de abril cumpriria a promessa de abolir a censura e permitir que os portugueses vissem os filmes sem cortes. Muitos filmes que estiveram proibidos durante o Estado Novo, estrearam em Portugal. «O Couraçado Potemkine», de Serge Eisenstein, chegou ao cinema Império, em Lisboa quarenta e nove anos depois da sua estreia. Ou a famosa história do «Último Tango em Paris», um filme de Bernardo Bertolucci.

Viajaram para Portugal muitos realizadores e equipas de reportagem estrangeiros. Era preciso filmar a revolução e a 29 de Abril de 1974, os cineastas portuguesas ocuparam as instalações da Direcção dos Serviços de Espectáculos e do Instituto Português de Cinema, os organismos da arquitectura institucional do cinema do Estado Novo. Criaram um novo sindicato e elaboraram um programa para «fazer do cinema em Portugal um instrumento dinâmico de cultura e consciencialização política». Foram criadas as unidades de produção independentes e novas cooperativas, que asseguraram a produção de documentários sobre as acções revolucionárias e programas didácticos. Os «Grupos de Acção e Animação Cinematográfica», constituídos por um realizador, um assistente de realização, um operador de imagem, um operador de som e um oficial do M.F.A., andaram pelo país, projectando filmes e filmando os acontecimentos.

O resultado foi um cinema militante, com o objectivo de revelar a realidade portuguesa, que o Estado Novo sempre negara mostrar. O cinema passou a adaptar formatos e linguagens televisivas e jornalísticas, permitindo uma maior proximidade com o público.

Apesar de ser comum a vontade de mudar as estruturas sociais, a evolução da situação política causou fraturas entre os cineastas portugueses, que se dividirão em 1975 entre uma corrente mais vanguardista, apoiante das Unidades de Produção, e uma corrente gravitando em torno dos realizadores das cooperativas de cinema, como o Centro Português de Cinema, a Cinequipa e a Cinequanon.

A Cinequanon, em co-produção com a RTP, realizou entre 74 e 75, cerca de uma centena de filmes para a televisão. Os títulos das séries são sugestivos das motivações de intervenção política e social: ”Movimento Cooperativo”, ”Sonhos e Armas”, ”Um dia na vida de…”, ”Viver e Sobreviver”, ”Colectividades de Cultura e Recreio, ”Artes e Ofícios”.

Durante esse período foram realizados muitos filmes militantes e etnográficos, mas também outros que reflectiam preocupações políticas, sociais e estéticas para além da discussão de alguns problemas mais urgentes da sociedade portuguesa, como «Adeus, Até ao Meu Regresso», de António-Pedro de Vasconcelos, «Deus, Pátria, Autoridade», de Rui Simões, «Brandos Costumes», de Alberto Seixas Santos, rodado antes do 25 de abril, mas estreado em Setembro de 75. Em 1975 Fonseca e Costa rodou «Os Demónios de Alcácer-Quibir», que explora a contradição entre o universo visionário da revolução e as realidades de um período de mudanças profundas, um tema que estará presente também no filme «Que farei com esta espada?», de João César Monteiro. Eduardo Geada realizou «Lisboa – O direito à cidade», uma análise das condições que permitiram a exploração capitalista da cidade e Fernando Lopes a «História das Eleições», onde são denunciadas as falsificações eleitorais do Estado Novo. Manuel Oliveira rodou em 1975 “Benilde ou a Virgem Mãe”, baseado na peça de José Régio, que estreou 4 dias antes do 25 novembro de 1975.

«As Armas e o Povo», uma realização do Sindicato de Trabalhadores da Produção do Cinema e Televisão, é um documentário paradigmático da produção de cinema desta época. Uma obra colectiva com material disperso, filmado sobre os acontecimentos ligados à revolução. O filme reflectia as várias sensibilidades políticas, onde se sobrepõem os acontecimentos e manifestações no 25 de Abril e dias seguintes, a libertação dos presos políticos, uma série de entrevistas por Glauber Rocha e as comemorações do 1º de Maio.

Cinema e televisão:

A revolução expôs as tensões entre o modo de comunicar do cinema e da televisão. Em Junho de 75 o cineasta Eduardo Geada queixou-se da desvalorização do cinema relativamente à televisão por parte do M.F.A. Os militares pretendiam proximidade e interpelação direta e imediata e o cinema necessitava de tempo. Foi a televisão que transmitiu os programas com a chancela do M.F.A., entre eles as sessões de dinamização cultural.

A televisão e, de certo modo, a rádio, tornaram-se os meios de comunicação privilegiados entre o M.F.A. e as populações portuguesas. De resto, sempre que a instabilidade política se acentuava, os primeiros locais estratégicos a serem ocupados e defendidos pelo COPCON eram os estúdios da televisão, as estações de rádio e os seus respectivos postos emissores.

 Teatro

Também para o teatro o 25 de Abril de 1974 representou o início de uma nova era. Nos anos imediatos à revolução, o teatro procurou estabelecer um novo diálogo com o seu tempo. Procurou interpretar o momento político, ganhar um público, e desenvolver um modelo de criação. Nesses anos, o teatro centrou-se na actividade de grupos independentes, alguns deles vindos dos anos do marcelismo, outros criados por jovens oriundos do novo Conservatório, actores do teatro universitário ou saídos de cursos ministrados por convidados estrangeiros que então visitaram Portugal como Peter Brook, ou Augusto Boal, ou aqui tinham regressado, como Adolfo Gutkin, expulso em 1970. Estes grupos diversificaram repertórios e abriram novos conceitos estéticos de representação e encenação. Aos já existentes, Teatro Experimental do Porto (TEP),Teatro Experimental de Cascais (TEC), Teatro Estúdio de Lisboa (TEL), Casa da Comédia, Cornucópia, ou Comuna, juntaram-se novos grupos como o Bando, a nova Casa da Comédia, a Barraca, o Teatro da Graça, o Centro Cultural de Évora, os Bonecreiros, os Cómicos. Com o 25 de abril até a velha revista à portuguesa foi questionada com a criação do Teatro Ádoque, fora dos códigos e dos temas do Parque Mayer.

Fonte: Aniceto Afonso, Carlos Matos Gomes e Maria Inácia Rezola.

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