Por José Fialho Gouveia

"Há um filme, de 1998, que passou relativamente ao lado da história do cinema e que porventura fará urticária a alguns cinéfilos mais dados ao lado excessivamente intelectual da vida, que foi, para mim, dos filmes mais marcantes que vi. Chama-se “Instantes Decisivos” (ou “Sliding Doors”, no baptismo original) e conta com Gwyneth Paltrow e John Hannah como protagonistas.
A ideia é muito simples. Eles são um casal e ela, manhã cedo, sai de casa para ir trabalhar. Acontece que, assim que a moça abala do leito conjugal e fecha a porta do lar-doce-lar, ele, marialva encartado, telefona a outra catraia para a convidar para malandrices.
Helen (personagem interpretada por Paltrow), ao descer as escadas para apanhar o metro que a levará ao escritório, vê-se obrigada a perder alguns segundos graças a um miúdo que se cruza no seu caminho. Esses preciosos segundos farão com que perca o comboio. Isso fará com que chegue atrasada ao emprego e seja despedida (vocábulo em uso no ano de 1998 que significa dispensada).
Nesse momento o filme anda para trás até ao momento da descida para o metro e assistimos à repetição da cena, só que desta vez o miúdo já não a faz perder tempo e ela chega à empresa a tempo e horas. A partir daí assistimos ao desenrolar de duas histórias. Se é despedida, regressa a casa e encontra o marialva empolgado com as acrobacias sexuais da outra garina. Se não é despedida, a vida continua a correr como sempre tinha corrido sem que Helen tome conhecimento das escapadelas românticas do companheiro.
Aqueles segundo perdidos no metro foram um instante decisivo capaz de alterar tudo. O curioso é que esses instantes podem alterar toda a nossa a vida sem que nós tenhamos conhecimento de que eles se cruzaram connosco.
Hoje, olhando para trás, sei que tropecei num desses instantes decisivos, salvo erro, em 2007. Então, enquanto jornalista do semanário SOL, uma das minhas tarefas era fazer todas as semanas uma entrevista para a página 2 do jornal. A secção chamava-se ‘Entrevistas Imprevistas’ e tinha um conceito muito simples. Quando o entrevistado era político, falava-se de tudo menos de política. Quando o entrevistado não era um político, a conversa era sempre sobre política.
Foi então que decidi entrevistar a Paula Moura Pinheiro, que na época era directora-adjunta da RTP2. Telefonei-lhe, marcámos a conversa, fez-se e publicou-se a entrevista e a vida continuou normalmente.
Muitos meses depois, já em 2008, a Paula telefonou-me e pediu-me para ir à RTP para conversarmos. Explicando que acompanhava o meu trabalho no SOL e que tinha gostado muito da forma como eu a entrevistara, pôs-me em cima da mesa o convite para fazer um programa de televisão, que mais tarde viria a chamar-se “Bairro Alto”.
Até aí a minha praia (só para usar um cliché jornalístico) sempre fora a imprensa e nunca me tinha passado pela cabeça fazer televisão. Ainda assim – mas sabendo que só o carteiro é que toca sempre duas vezes (só para usar mais um) e que não me constava que a Paula andasse por aí nos tempos livres com o equipamento dos CTT a distribuir encomendas – não hesitei na resposta. Disse que sim.
Vários meses passaram até acertar todos os detalhes de produção e, no dia 19 de Janeiro de 2009, fez-se a primeira gravação do “Bairro Alto”, com o António-Pedro Vasconcelos (a primeira a ir para o ar, salvo erro a 3 de Fevereiro, foi com a Raquel Freire). Nesse momento era impossível prever que o último viria a ser gravado a 20 de Junho de 2014, com o Miguel Gonçalves Mendes. Entre essas duas datas, separadas por cerca de cinco anos e meio, contam-se mais 217 convidados.
Foram 219 pessoas que passaram pela minha vida. Com cada uma – preparando as entrevistas e conversando com elas – aprendi alguma coisa. Todas juntas acabaram por mudar a minha vida. Muitas, porque se construíram relações de amizade, passaram a fazer parte dos meus dias.
No próximo domingo o “Bairro Alto” chega ao fim. Espero que todos aqueles que nos seguiram sentados no sofá tenham passado connosco boas noitadas de conversa e tenham gostado da nossa companhia. Claro que houve entrevistas melhores e outras piores e dias mais inspirados do que outros. Mas estou convencido de que cumprimos aqueles que foram sempre os nossos objectivos: fazer serviço público, promover a Cultura e os criadores, e fazer jornalismo de qualidade.
Nada teria sido possível (mais um cliché mas este totalmente obrigatório) sem os profissionais que trabalharam na produção do “Bairro Alto” ao longo de cinco anos e meio. Um obrigado do fundo do coração a todas as pessoas que de alguma forma contribuíram para que cada programa fosse possível.
Permitam-me, no entanto, fazer dois agradecimentos com nomes e apelidos. O primeiro, à Paula Moura Pinheiro e ao Jorge Wemans, pelo convite que me fizeram. O segundo – e deixei-o de propósito para o fim – ao Frederico Wiborg. Foi ele, desde o início, o produtor do programa. Foi com ele que trabalhei semanalmente. Foi ele que resolveu todos os problemas e que encontrou todas as soluções. Obrigado, Fred. Sem ti jamais o Bairro teria chegado tão Alto.
Até uma próxima noitada de conversa."

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