Ao estabelecer um Califado, da Síria ao Iraque, o líder do Estado Islâmico pretende precisamente constituir um Estado, o primeiro jihadista de todo o mundo, com a missão de estender o Islão a um vasto território, da Índia à Península Ibérica e incluindo o centro e o norte de África. Para isso necessita de recursos, humanos, naturais e financeiros.

Logo após a conquista de Mossul e de Tikrit, o líder do EI proclamou a 29 de junho a instauração de um califado nos territórios já controlados. Abu Bakr al-Bagdadi assumiu ainda o nome de Califa Ibrahim.

O novo Califado estende-se de Manjeb, no norte da Síria perto da fronteira turca da província de Alepo, para leste ao longo do rio Eufrates, incluindo toda a província de Raqa e uma grande parte de Hassaka e de Deir al-Zor, até Boumakal, perto da fronteira com o Iraque. Daqui avança pelas regiões sunitas do oeste e do norte, com destaque para a cidade de Mossul.

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O Estado Islâmico domina cerca de 25% da Síria (45.000 km2) e 40% do Iraque (170.000 km2), num total de 215.000 Km, o equivalente ao Reino Unido, de acordo com um geógrafo especialista na Síria. Fabrice Balanche sublinha que a maior parte destes territórios, sobretudo no Iraque, são desérticos.

Em setembro e perante a ameaça de retaliação internacional, al Bagdadi resolveu garantir as suas rotas de abastecimento através da Turquia. Além de conquistar o aeroporto de Tabqa, vencendo as tropas sírias, preferiu recuar de algumas posições mais a sul e lançou uma ofensiva para norte, sobre as aldeias curdas em torno da cidade de Kobani, a partir da qual pode controlar vários quilómetros de fronteira sírio-turca, pelo menos enquanto a vigilância desta área não é reforçada.

Importância do Califado

A maior vantagem para al-Bagdadi em estabelecer o Califado é a possibilidade de chamar os fiéis muçulmanos à guerra santa, um privilegio atribuído pelos sunitas ao Califa. Os sunitas constituem entre 80% e 90% da população muçulmana mundial e estão espalhados pelo mundo inteiro. Os grupos terroristas islâmicos seguem igualmente o sunismo e podem decidir declarar fidelidade ao novo Califa, em vez de à al Quaeda.

Várias autoridades religiosas sunitas, lideradas pela Arábia saudita e pelo Egipto, estão por isso a proclamar de várias formas que os métodos seguidos pelo grupo estado Islâmico nada têm a ver com o Islão, tentado evitar que jovens muçulmanos sejam atraídos para as suas fileiras.

Para muitos, as conquistas do grupo nos últimos 3 anos podem contudo ser vistas como um favor do céu.

As riquezas do Califado

Entrincheirado no leste da Síria, em territórios conquistados a outros grupos extremistas sunitas, num conflito que, à margem da luta contra o Governo sírio, fez mais de 6.000 mortos, o Estado Islâmico domina desde junho o acesso às riquezas energéticas do norte do Iraque, nomeadamente o petróleo e o gás.

Passou a controlar também áreas de produção agrícola, tendo-se apoderado das reservas de cereais do Iraque, o que garante o sustento das tropas jihadistas nos próximos meses e lhe permite exercer chantagem para obter o apoio das populações locais reticentes.

De acordo com especialistas, o EI tem múltiplas fontes de financiamento. Cerca de 5% dos seus fundos terá origem em donativos à causa, transferidos por famílias de países do Golfo, com o Qatar à cabeça. O auto-financiamento, através de extorsão, impostos e taxas às populações locais nos territórios que domina é de longe a a fonte de rendimentos mais segura, permitindo-lhe coletar cerca de 100 milhões de dólares anuais.

A conquista de Mossul, a segunda maior cidade iraquiana, na fulgurante ofensiva de junho, deu ainda ao EI acesso às reservas líquidas dos bancos locais, calculada em 400 milhões de dólares, aos quais se deverá somar o dinheiro dos cofres do Conselho Provincial de Nínive, cerca de 250.000 dólares, de acordo com o seu anterior responsável.

Outros rendimentos são o contrabando de petróleo e de antiguidades e o pagamento de resgates por reféns ocidentais. Só à família do jornalista americano James Foley, o primeiro refém que executou para ameaçar o Ocidente, o EI terá pedido 100 milhões de euros soube-se através de um e-mail publicado pelo empregador do freelancer, o jornal de Boston Global Post.

“O EI tem as suas forças e as suas fraquezas” sublinhou em agosto o porta-voz do Pentágono, o contra-almirante John Kirby. “Eles são poderosos, eles têm recursos. São bastante bem organizados para um grupo terrorista. Mas eles também não são gigantes, como já vimos. Através destes ataques (aéreos) foram atingidos. As suas capacidades foram atingidas. Por isso, não são invencíveis”, acrescentou.

Homens e arsenais do EI

A CIA calcula em 50.000 homens a força do Estado Islâmico, alinhando com estimativas do Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH), uma organização baseada em Londres com uma vasta rede local de contactos na Síria e no Iraque.

A organização acrescenta que o EI está a crescer continuamente, alimentado por milhares de adesões todas as semanas. Calcula-se que, só em julho, mais de 6.000 homens tenham aderido às suas fileiras e que pelo menos mil deles tenham origem em países europeus.

Outras estimativas admitem contudo que al Bagdadi já tenha às suas ordens cerca de 100.000 homens, o que, sendo uma evidente vantagem operacional, pode também revelar-se uma complicação, sendo necessários financiamentos significativos para sustentar e prover a uma tal força.

No Iraque, o grosso das forças do EI, 10.000 a 30.000 homens, será composto por iraquianos sunitas, mas inclui combatentes vindos dos países do Golfo, da Chechénia, da Europa e até da China.

O recrutamento do grupo tem sido feito sobretudo através de redes sociais mas, sublinham alguns analistas, há quem se junte ao grupo coagido pelo medo, pelo fascínio da propaganda “hollywodesca” de força, transmitida pelas execuções, decapitações e rápida conquista territorial, ou até pelos salários oferecidos.

O grupo possui ainda um arsenal poderoso, em parte confiscado a outros grupos terroristas vencidos na Síria e em parte recuperado das tropas iraquianas em fuga. A maior parte deste equipamento, que inclui armas pesadas e carros de combate, tem origem norte-americana. O Estado islâmico pode igualmente comprar armamento, através dos recursos financeiros à sua disposição.

A maior vantagem dos radicais poderá ser no entanto a sua fluidez de movimentos e não se comportarem como um exército regular. Há notícia de militantes do Estado Islâmico que se disfarçam entre as populações civis para, subitamente, disparar sobre a população indefesa. Haverá ainda células jihadistas adormecidas entre a população iraquiana e capazes de, a qualquer momento, lançar atentados.

Por Graça Andrade Ramos