3.Cabo Verde – 5 de julho de 1975

A Independência de Cabo Verde

A ligação à Guiné Bissau…
O processo que levou à independência de Cabo Verde esteve quase sempre ligado à descolonização da Guiné-Bissau. De facto, a maioria dos fundadores do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) eram cabo-verdianos ou descendentes de cabo-verdianos radicados na Guiné-Bissau. O próprio Amílcar Cabral, líder do movimento até à sua morte em 1973, apesar de nascido na Guiné, era descendente de cabo-verdianos e passou a sua infância nas ilhas de Santa Catarina e Santiago.

As diferenças…
Contudo, e apesar de o PAIGC ter organizado uma estrutura clandestina em Cabo Verde, nunca se realizaram atividades de guerrilha no território, ao contrário do que aconteceu na Guiné-Bissau. Fatores como dificuldades logísticas, a situação de seca prolongada, o controlo apertado da PIDE/DGS e a retirada do apoio cubano inicialmente previsto, obstaram a que o movimento se expandisse para o arquipélago.

A Frente Ampla Nacional e Anticolonial
Na sequência do golpe de 25 de abril de 1974, foi criada em Cabo Verde a Frente Ampla Nacional e Anticolonial, com o objetivo de unir os nacionalistas cabo-verdianos numa mesma organização. Poucos dias depois, a população do arquipélago manifestou-se abertamente pela libertação dos presos políticos que ainda se encontravam no campo de concentração do Tarrafal, na ilha de Santiago. Pela mesma altura, o PAIGC enviava os primeiros guerrilheiros para o território cabo-verdiano.

Reconhecimento da independência no papel
Com a assinatura do Acordo de Argel no dia 26 de agosto de 1974, o governo português reconhecia formalmente a independência da Guiné-Bissau e “o direito do povo de Cabo Verde à autodeterminação e independência” e considerava “o acesso de Cabo Verde à independência (…) factor necessário para uma paz duradoura e uma cooperação sincera entre a República Portuguesa e a República da Guiné-Bissau” (artigos 6 e 7).

Discurso de Spínola aquando da tomada de posse do último governador de Cabo Verde, Vicente Almeida d’Eça, 21/09/1974. Fonte. Arquivo da RTP, LX09001295XD.

No dia 14 de setembro, o Presidente da República Portuguesa António de Spínola efetuou uma visita ao arquipélago, mais precisamente à ilha do Sal, onde se encontrou secretamente com o presidente do Zaire Mobutu Sese Seko a fim de discutir o futuro político de Angola. Porém, Spínola seria recebido de forma colérica pela população, incitada por elementos do PAIGC que pretendiam uma resolução rápida para o problema da independência.

Porque é que Portugal hesitava em entregar o poder ao PAIGC?

  1. Havia uma perceção (defendia por Spínola, mas também por Mário Soares) de que, do ponto de vista cultural, Cabo Verde estava mais próximo de Portugal que da Guiné.
  2. Não existia um consenso por parte da comunidade cabo-verdiana, local e emigrada, em relação ao PAIGC.
  3. A posição geoestratégica do arquipélago levava a que os interesses americanos, no contexto da Guerra Fria, obstassem a uma transferência de poderes para o PAIGC, antigo aliado da União Soviética.
  4. Havia a questão da viabilidade económica do novo estado, a braços com uma seca desde 1967 e inteiramente dependente de Lisboa para a sua sobrevivência (MacQueen, 1998, 143).

A resposta do PAIGC
Perante esta atitude de Portugal e dos seus aliados, o PAIGC tomou uma posição cada vez mais agressiva.

  • No final de setembro, registaram-se incidentes na cidade do Mindelo, na ilha de São Vicente, envolvendo apoiantes do PAIGC, elementos das forças armadas portuguesas, a PSP e a Polícia Militar, bem como uma greve geral na função pública com forte adesão.
  • Pela mesma altura, o movimento decidiu começar a preparar uma possível ação armada no arquipélago, com a passagem à clandestinidade de vários dos seus quadros. Porém, a demissão de Spínola do cargo de Presidente da República mudaria toda a conjuntura (Pereira, 2003, 277).
  • A 11 de outubro, o presidente da Comissão Nacional de Cabo Verde do PAIGC, comandante Pedro Pires, era apoteoticamente recebido pela população do arquipélago.
  • A UPICV (União do Povo das Ilhas de Cabo Verde), um movimento rival do PAIGC que se opunha à união política com a Guiné-Bissau, preparava uma manifestação para 1 de novembro, que viria a ser proibida pelo Comando-Chefe das forças portuguesas.
  • Em dezembro, setenta membros da UPICV e de outro movimento, a UDC (União Democrática Cabo-Verdiana), eram detidos para averiguações e retidos no temporariamente reaberto campo do Tarrafal.

O agravamento da situação política no arquipélago levaria a comissão local do MFA a enviar um ultimato ao governo português no sentido de este acelerar transferência da soberania para o PAIGC (Santos, 2006, 247).

Depoimento de António Almeida Santos sobre a assinatura do acordo entre o governo português e o PAIGC com vista à independência de Cabo Verde. Fonte: Arquivo da RTP, 01003315XD.

A 19 de dezembro era assinado em Lisboa um acordo entre o governo português e o PAIGC que previa a nomeação de um Governo de Transição até à efetivação da independência, seis meses depois.

No acordo era refirmado “o direito do Povo de Cabo Verde à autodeterminação e independência” (artigo 1º). Doze dias depois, tomava posse na cidade da Praia o governo de transição, composto por elementos apontados pelo PAIGC e por Portugal e presidido por Alto-Comissário Almirante Vicente Almeida d’Eça.

Assinatura do acordo Portugal-PAIGC que fixou a data da independência de Cabo Verde, subscrito pelo Primeiro-Ministro, Brigadeiro Vasco Gonçalves, pelos Ministros Melo Antunes, Almeida Santos e Mário Soares e pelos representantes do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), dirigidos por Pedro Pires. Fonte: Fundação Mário Soares, MS – Arquivo Mário Soares – Fotografias Exposição Permanente, Pasta 06278.00580.

Almeida d’Eça cedo se viu confrontado com a realidade problemática do arquipélago, marcada por dificuldades de financiamento, seca, escassez de bens alimentares, desemprego generalizado e regresso de muitos emigrantes vindos de Angola.

Para este site o Almirante Almeida D’Eça escreveu e leu um texto onde relembra o processo de transição e as funções em Cabo Verde mas também na Guiné e que lhe permitiram conhecer melhor o PAIGC.

O Dia da Independência

Após a realização das eleições para a Assembleia Constituinte, a independência de Cabo Verde foi proclamada na cidade da Praia no dia 5 de julho de 1975. Na cerimónia estiveram presentes, em representação do governo português, entre outros, o Primeiro-Ministro Vasco Gonçalves, o Ministro da Coordenação Interterritorial António de Almeida Santos, e o ministro sem pasta Álvaro Cunhal, em representação de Cabo Verde o Presidente da Assembleia Nacional recém-eleita Abílio Duarte, bem como delegados da ONU e da Organização da Unidade Africana. Assistiu-se à independência.

Imagens da proclamação a independência de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe, 5/07/1975. Fonte: Arquivo da RTP, LX511213XD.

 

Ao fim de mais cinco séculos de presença portuguesa, Cabo Verde atingia finalmente a sua independência.