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Nirvana: 25 anos de “In Utero”

Texto e Locução: Daniel Belo | Sonoplastia: Gualter Santos

 

Vinte e cinco anos depois de ter sido editado, a 21 de setembro de 1993, In Utero — o terceiro e último álbum de estúdio dos Nirvana — continua a ser uma referência.

O Daniel Belo conversou com músicos portugueses da nova geração que eram crianças, ou ainda não tinham sequer nascido, quando o disco saiu. De que forma a sonoridade dos Nirvana os marcou e influenciou? Como ouvem hoje este disco feito há 25 anos? O que é, para eles, In Utero?

Ao longo de toda a semana em que se assinalou a efeméride, ouvimos também, na emissão da Antena 3, dez especiais escritos por Nuno Galopim, cada um com um tema diferente retirado do disco e apresentado por Nuno Reis:

 

▶️  Serve the Servants

Com projeções iniciais que apontavam as expectativas de vendas a um número na ordem dos 50 mil discos, acabando depois por alcançar cerca de 30 milhões de unidades por todo o mundo, o álbum Nevermind ultrapassou em tudo o que dele se esperava, fazendo dos Nirvana um fenómeno global e transformando Kurt Cobain no primeiro grande ícone que a cultura popular viu nascer depois de fechadas as contas dos anos 80. Tudo isto sem esquecer o papel que o disco teve, juntamente com álbuns recentes de outras bandas de Seattle, em fazer notar aquela cidade no noroeste norte-americano, até ali algo ignorada pelo resto do mundo; assim como representou uma força determinante para o recentrar das tendências do gosto numa rota de reencontro com as guitarras e, sobretudo, os universos do rock alternativo, que se tornou num dos maiores polos de atenções na alvorada da década de 90.

E como se dá um novo passo depois de tantos acontecimentos e conquistas?

Era mesmo preciso parar para pensar. E assim foi, com a decisão comunicada publicamente, num momento de conversa inesperada, frente a uma multidão, numa atuação histórica na edição de 1992 do festival de Reading a 30 de agosto de 1992, no fim de uma jornada que os próprios Nirvana tinham ajudado a programar.

Entre duas das canções, Kurt Cobain anunciou que aquela era a sua última atuação… Toda a gente reagiu com surpresa, mas logo Krist Novoselic disse “até tocarmos”… Dave Grohl acrescentou “uma vez mais”… E Cobain concluiu: “Na nossa digressão de novembro.” E logo ele mesmo levantou a questão: “Vamos fazer uma digressão em novembro ou vamos gravar um disco?” A resposta veio de Novoselic e foi bem clara: “Gravar um disco.”

Na verdade, levou mais tempo do que esperavam. Deram concertos nos EUA e Argentina em setembro e outubro de 92. E, sem oportunidade para gravar logo um disco, em dezembro lançaram Incesticide, uma compilação de lados B, versões, maquetes e outras raridades. Um novo álbum de estúdio, ao qual chamariam In Utero, só chegaria a 21 de setembro de 1993. E quem nesse dia levou para casa o disco foi esta a primeira canção que nele descobriu. Chama-se “Serve the Servants”, e é com ela que iniciamos um percurso para acompanhar ao longo desta semana aqui, na Antena 3.

 

▶️  Scentless Apprentice

Foram poucas as canções dos Nirvana que tiveram autoria partilhada por Kurt Cobain, Krist Novoselic e Dave Grohl. São casos de composição em trio temas como “Smells Like Teen Spirit” ou “Aneurysm”. Um outro exemplo é a segunda canção que encontramos no alinhamento de In Utero, o terceiro álbum de estúdio dos Nirvana, que esta semana, mais concretamente na sexta-feira, completa 25 anos.

O tema surgiu a partir de um riff de guitarra de Dave Grohl. Aparentemente, Kurt Cobain não via ali, inicialmente, mais do que um lugar comum a tantos outros riffs que então iam nascendo em terreno grunge… Mas, como ele mesmo depois descreveu numa entrevista, resolveu compor algo a partir daquela ideia, partindo a canção em partes e dividindo com Krist Novoselic os segmentos a trabalhar, acabando mais tarde a gostar do tema que finalmente ganhou forma num ensaio da banda, algures em 1992. Uma arqueologia desta canção pode fazer-se usando hoje algumas das gravações entretanto já editadas dos Nirvana, estando no alinhamento da caixa With the Lights Out, de 2004, uma maquete de dezembro de 92 que poderá representar um dos primeiros registos de “Scentless Apprentice” e havendo na edição deluxe de In Utero uma outra demo, já com o produtor Steve Albini, captada no Rio de Janeiro no início de 93. Quem quiser recriar esse percurso tem nestas pistas um trabalho de casa para fazer depois…

Mas voltemos a esta canção, que, depois de ensaiada, conheceu finalmente a sua estreia em palco quando os Nirvana atuaram no Brasil em janeiro de 1993. Ou seja, não era uma absoluta novidade quando, em setembro desse ano, surgiu, numa versão em estúdio, no álbum In Utero.

Se entre riffs, ensaios e palcos se conta a história da música de “Scentless Apprentice”, já a letra foi buscar ideias a um romance histórico de 1985 que inspirou muitas mais canções de outras bandas. O romance é O Perfume, de Patrick Süskind, adaptado mais tarde ao cinema (já em 2006) por Tom Twyker, e está na base de canções dos Air ou Rammstein, é citado em “Herr Spiegelmann”, dos portugueses Moonspell, e foi referido por Marilyn Manson como a origem do título do seu EP Smells Like Children. A história do homem hipersensível aos cheiros, mas sem odores no seu próprio corpo, cativou Kurt Cobain, que ali encontrou motivos para chegar às palavras intensas que depois cantou.

“Scentless Apprentice” esteve quase para ser o segundo single de In Utero… Mas a decisão rumou noutro sentido. Esta é então a versão definitiva, que podemos encontrar na faixa 2 do álbum In Utero, que esta semana faz 25 anos.

 

▶️  Heart-Shaped Box

Quando, em janeiro de 1993, os Nirvana se juntaram num estúdio no Rio de Janeiro para registar maquetes das canções para o sucessor de Nevermind, o primeiro tema que tocaram foi “Heart-Shaped Box”, uma canção na qual Kurt Cobain começara a trabalhar quase um ano antes, mas que na verdade só completou quando se mudou, com a sua mulher, Courtney Love, para um apartamento em Los Angeles, no qual viveu parte do ano de 1992.

O tema teve um parto difícil. Courtney Love recordou mais tarde que Kurt Cobain foi desenvolvendo a canção às escondidas, tendo-o surpreendido em casa, fechado dentro de um armário, a trabalhar os seus acordes. Ele, por seu lado, confessaria que levou tempo a encontrar a forma final do tema, tendo até esperado que, em ensaios da banda, os três músicos pudessem chegar a uma forma final. Na verdade, seria ele mesmo a encontrar a solução nas linhas de voz, mal imaginando ainda que tinha em mãos um dos clássicos da etapa final da sua obra.

A imagem da caixa em forma de coração de que a letra fala remete para aquele que foi o primeiro presente que Courtney Love lhe ofereceu e que desencadeou entre ambos o gosto por oferecer mutuamente caixas semelhantes daí em diante. E, mesmo tendo Kurt Cobain chegado a afirmar que se inspirara em documentários que vira sobre crianças doentes com cancro, o que reconheceu ser uma das coisas que mais o entristecera, na verdade esta é uma canção sobre Courtney Love.

“Heart-Shaped Box” foi o tema escolhido para ser o single de apresentação do álbum In Utero, que esta semana faz 25 anos. O single surgiu em diversos mercados, exceto o americano, a 30 de agosto de 1993, ou seja, quase um mês antes do álbum. No lado B do single, ouvia-se “Marigold”, uma versão de uma canção que Dave Grohl editara em 1992 num projeto a solo sob o pseudónimo Late!.

A necessidade de criar um vídeo para acompanhar a canção levou a que surgisse uma colaboração com o realizador Anton Corbijn, que por essa altura era já reconhecido pelo seu trabalho com nomes como U2 ou Depeche Mode. O vídeo, que explora imagens da iconografia cristã e mostra um trabalho notável de conceção visual, deu-lhes a vitória na edição de 1994 dos MTV Video Music Awards nas categorias de Melhor Vídeo Alternativo e Melhor Direção Artística.

 

▶️  Rape Me

“Rape Me” é uma das canções mais marcantes do alinhamento de In Utero, o terceiro álbum de estúdio dos Nirvana, que faz 25 anos nesta semana, e surgiu, numa forma ainda longe daquela que ouvimos em disco, numa primeira versão que Kurt Cobain trabalhou com uma guitarra acústica ainda nos dias de “Nevermind” e que pouco depois chegou a apresentar ao vivo.

A canção deu que falar pela primeira vez quando o grupo fez saber que essa seria a sua escolha para uma atuação em plena cerimónia de entrega de prémios da MTV, em setembro de 1992. A atuação estava anunciada desde julho, mas Kurt Cobain, que não era particularmente adepto desse tipo de cerimónias, estava a deixar todos em suspense… Iriam ou não atuar? Lá aceitou participar. Mas iria tentar fazer as coisas à sua maneira.

Assim foi, e, logo no primeiro ensaio, a controvérsia instalou-se quando Kurt avisou uma responsável da MTV de que iam tocar uma canção nova. Não era exatamente nova, porque tinha já um tempo de estrada. Mas não estava ainda gravada em disco nem era conhecida por aí além. A opção não só ia contra as expectativas da produção, que pensava que ia ter os Nirvana a tocar “Smells Like Teen Spirit”, como gerou reações nada entusiasmadas entre os executivos do canal, que julgaram que “Rape Me” poderia ser uma canção sobre a relação de Cobain com a MTV… Nada disso. Era mais literal e falava de violência, sexismo e, tal como o título sugere, de violação.

O caso não foi sereno, acabando os Nirvana por tocar “Lithium” durante a gala, pregando um valente susto aos responsáveis da MTV quando, mesmo assim, incluíram alguns compassos instrumentais de “Rape Me” no arranque da atuação.

“Rape Me” foi um dos temas que os Nirvana levaram a sessões que tiveram lugar pouco mais de um mês depois da cerimónia, com Jack Endino (que produzira o álbum de estreia, Bleach) no outro lado da mesa de mistura. Nessa ocasião, Kurt Cobain cantou tendo ao colo a pequena Frances Bean, ainda com poucas semanas de vida.

Na versão definitiva, “Rape Me” foi o tema escolhido para dividir com “All Apologies” o alinhamento de um single “double A-side” (ou seja, com as duas faces com igual protagonismo) que foi lançado em dezembro de 1993 e representou o último disco do grupo editado antes da morte de Kurt Cobain, em abril de 1994.

 

▶️  Frances Farmer Will Have Her Revenge on Seattle

Um certo descontentamento que o grupo manifestou pelo som final do álbum Nevermind levou os Nirvana a querer encontrar um outro produtor para dar forma às canções de um terceiro álbum de estúdio. E, desde logo, numa entrevista à Rolling Stone, Kurt Cobain avançou que o som do novo disco seria mais radical.

Um dos nomes considerados foi o de Jack Endino, com quem o grupo havia trabalhado durante a gravação de Bleach, o seu álbum de estreia, que a Sub Pop tinha editado em junho de 1989.

A escolha final recaiu, contudo, num dos heróis de Kurt Cobain, que tinha discos como Surfer Rosa, dos Pixies, e Pod, das Breeders, na lista dos álbuns de que mais gostava. Ambos os discos tinham sido gravados por Steve Albini, músico, engenheiro de som e produtor que, por essa altura, integrava os Shellac (como guitarrista e vocalista) e em estúdio tinha também já trabalhado com nomes como Wedding Present, Urge Overkill, The Jesus Lizard ou Pussy Galore.

O desafio colocado era o de tentar captar a verdade e a intensidade do som dos Nirvana, tal e qual a banda estivesse a tocar no estúdio. Kurt Cobain enviou então a Steve Albini um conjunto de maquetes para lhe dar a conhecer as canções que iam gravar. Por seu lado, o produtor fez chegar às mãos de Cobain uma cópia do álbum Rid of Me, de PJ Harvey, que Albini tinha gravado alguns meses antes e que, nas suas palavras, exemplificava o modo de trabalhar o som em estúdio que propunha para o novo disco dos Nirvana.

Apesar de satisfeitos quando terminaram as gravações e a mistura, os músicos sentiram que talvez não fosse má ideia voltar a estúdio e fazer acertos. Steve Albini não gostou da ideia. Mas, contra aquela que certamente seria a sua vontade, algumas canções acabariam mesmo por receber novas misturas. Outras, contudo, mantiveram-se tal e qual as tinha deixado, mostrando apenas algumas diferenças no volume do baixo e da voz durante a masterização.

Um dos temas que mantiveram a mistura original foi “Frances Farmer Will Have Her Revenge in Seattle”, uma canção que evoca a figura da atriz e apresentadora de televisão Frances Farmer, natural de Seattle, cuja vida foi um calvário dramático que envolveu, a dada altura, um internamento numa instituição psiquiátrica. Cobain lera a sua biografia, que o deixara impressionado e com sensações de identificação. E aqui prestou-lhe uma homenagem.

 

▶️  Dumb

A história da gravação de In Utero passou por várias etapas de trabalho, duas delas apenas com a criação de primeiras maquetes como objetivo. Assim foi, com primeiras sessões registadas com Jack Endino em outubro de 1992 e, depois, uma segunda fase, com mais canções e já perto do alinhamento final, captada num estúdio no Rio de Janeiro em inícios de 1993, precisamente numa altura em que os Nirvana se apresentaram ao vivo no Brasil.

Foram então marcadas para o mês de fevereiro duas semanas de gravações num estúdio residencial que ficava a cerca de 50 quilómetros do aeroporto de Minneapolis, no Minnesota. Era o mesmo no qual Steve Albuni, que entretanto fora escolhido para produzir o disco, tinha gravado poucos meses antes Rid of Me, de PJ Harvey, que fora inclusivamente usado como demonstração, aos Nirvana, do som que ali seria possível fazer.

Em pleno inverno, com neve em volta e nada mais senão o estúdio, os músicos não tinham distrações possíveis por perto. Deixaram os seus problemas pessoais do lado de fora da porta, como Krist Novoselic depois descreveu. E assim puderam trabalhar de forma concentrada nas gravações, ocasionalmente deslocando-se até ao grande Mall of the Americas, nos arredores de Minneapolis, onde Kurt Cobain procurava versões diferentes do Visual Man, modelos em miniatura das estruturas internas corpo humano que, entretanto, tinha começado a colecionar.

Com uma agenda tão intensa e dias de trabalho que começavam por volta do meio-dia e duravam até à meia-noite, com pausas apenas para almoçar e jantar, tinham em pouco tempo gravado todos os elementos de base de todas as canções. E, de facto, em menos de duas semanas, o trabalho estava terminado, tendo In Utero sido gravado e misturado em metade do tempo do anterior Nevermind.

Se, para as rotinas de trabalho de gravação, o grupo deixara as suas vidas e os seus problemas pessoais do lado de fora do estúdio, já o corpo das canções estava cravejado de memórias, reflexões e experiências na primeira pessoa, sobretudo a de Kurt Cobain, que assina a escrita e a composição da maioria dos temas. Um exemplo de como vivências pessoais se materializam aqui em canções podemos encontrar em “Dumb”, um retrato de um mergulho às profundezas da dependência das drogas.

 

▶️  Milk It

Na biografia de Kurt Cobain Heavier Than Heaven, assinada por Charles R. Cross, publicada originalmente em 2001, encontramos, entre os vários episódios e memórias, um conjunto de retratos sobre o espaço de vida conjugal do casal Kurt & Courtney. E ali o autor observa como é frequente, sobretudo em casais de artistas, a construção de um caminho a dois que leva a que passem a pensar a dois, por vezes da mesma maneira, sobre os mesmos assuntos, a partilhar ideias e, em certos casos, até mesmo a fazer de um editor e voz crítica do outro.

É certo que Kurt Cobain e Courtney Love não eram de todo um casal comum, e cada qual definira já uma voz artística bem demarcada. Mas, depois de terem casado e estarem a viver juntos, tinham começado a partilhar as páginas de um diário comum. Kurt poderia lançar uma frase ou um pensamento, cabendo depois a Courtney o desafio ou missão de concluir ou dar continuidade às ideias e palavras. Liam o que o outro escrevia e davam por si a serem influenciados pelos pensamentos um do outro, inclusivamente na hora de criar as letras para as canções das suas respetivas bandas, os Nirvana de Kurt e as Hole de Courtney.

Para Charles R. Cross, a presença de Courtney Love é significativa nas letras das canções de In Utero. E vai até ao ponto de defender que Courtney, que era já por si uma autora com uma relação mais tradicional com a escrita, usando palavras focadas e coesas, ajudou a fazer de Kurt “um letrista melhor”. Um letrista mais aprimorado, que alcança aqui momentos de excelência, como os que se escutam em “Heart-Shaped Box” ou “Pennyroyal Tea”. E, por isso mesmo, o próprio Kurt Cobain reconheceu esta evolução, afirmando na letra de uma das canções do álbum que se alimentavam um ao outro.

A canção em questão é “Milk It”, um tema que nascera de um pequeno furacão com alma punk rock num ensaio da banda e que, depois, Kurt Cobain trabalhou, sobretudo nas palavras, sugerindo, por vezes com imagens bem fortes, o tipo de relacionamento entre o casal, não deixando de fixar também ali alguns ecos de um tempo em que se submeteu a terapias de desintoxicação. Isto sem esquecer o retomar de uma referência que não era de todo invulgar no seu pensamento: o suicídio.

 

▶️  Pennyroyal Tea

Algumas das canções que surgiram no alinhamento de In Utero, que esta semana faz 25 anos, nasceram bem antes das sessões e ensaios que deram forma ao álbum. “Pennyroyal Tea”, por exemplo, tem inclusivamente uma história que vai mais atrás no tempo, antes mesmo de se imaginar que aquela banda estaria um dia sob as atenções de todo o mundo.

A história desta canção começou em 1990, no apartamento em Olympia que Kurt Cobain dividia, por aqueles dias, com o baterista Dave Grohl. Reza a mitologia, tal como o próprio Kurt a contou, que a ideia para a canção surgiu em apenas 30 segundos numa ocasião em que os dois músicos estavam a fazer experiências com um gravador de quatro pistas. A letra pediu mais uma hora e meia de trabalho, e gravaram logo a seguir uma primeira maquete. A estreia em palco fez-se a 17 de abril de 1991 numa atuação no OK Hotel, em Seattle, a mesma na qual se ouviu, pela primeira vez, “Smells Like Teen Spirit”.

A banda recuperou esta canção quando, em outubro de 1992, registou uma primeira sessão em Seattle com Jack Endino, tendo já em vista a criação de um novo álbum. Houve uma nova gravação em estúdio com Steve Albini, mas este foi um daqueles casos de insatisfação após a conclusão dos trabalhos perto de Minneapolis. A canção foi então entregue a Scott Litt, que a remisturou, dando-lhe a forma com que chegou ao alinhamento do álbum.

A canção refere-se a um chá feito com folhas de uma planta que era usada em medicinas antigas como indutor de abortos… Mas, nas entrelinhas, o tema fala de alguém que atravessa um episódio agudo de depressão. E há ainda aqui possíveis alusões à busca de uma purga para o desconforto físico que Kurt Cobain sentia há já algum tempo. As dores de estômago que tanto o incomodaram no último ano de vida…

“Pennyroyal Tea” foi encarado desde muito cedo como um possível single. E estava finalmente agendada uma edição neste formato para abril de 1994, mas acabou adiada pela notícia da morte de Kurt Cobain. A razão do adiamento não se prendeu com a canção em si, mas pelo facto de o lado B conter o tema “I Hate Myself and Want to Die”, que havia sido gravado nas mesmas sessões do álbum. Não era a melhor altura para a levar a disco… Um breve adiamento não impediu que, algum tempo depois, “Pennyroyal Tea” acabasse por encontrar um lugar na discografia de singles dos Nirvana.

Em 2014, o single foi reeditado num lançamento especial feito para o Record Store Day. Nesse dia, esse lançamento especial foi o disco mais vendido nas lojas de discos norte-americanas dedicadas ao vinil.

 

▶️  Radio Friendly Unit Shifter

O álbum In Utero, que foi editado há precisamente 25 anos, por pouco não teve outros títulos completamente diferentes. Durante algum tempo, Kurt Cobain quis chamar ao disco I Hate Myself and Want to Die. Era o título de uma canção que mais tarde acabaria num lado B, mas cedo gerou algumas dúvidas entre a banda. E, ao que parece, foi Krist Novoselic quem conseguiu convencer Kurt Cobain a desistir da ideia. O novo disco começou então a ser referido internamente com o título Verse Chorus Verse e, depois, SappyIn Utero surgiu mais tarde. E ficou. Era, de todos, o melhor.

Esta história de mudanças de título não foi exclusiva daquele que deu nome ao disco. Também as canções que os Nirvana gravaram neste seu terceiro álbum de estúdio conheceram outras designações…

Os Nirvana tinham uma lista de 18 temas quando em fevereiro de 1993 rumaram ao estúdio perto de Minneapolis para gravar com Steve Albini. Mas, se hoje olhássemos para a folha onde tinham registado o nome das canções, poderíamos pensar que, afinal, não era da gravação de In Utero que se tratava. Isto porque, naquela altura, e apesar de estarem já gravadas em primeiras maquetes, as canções ainda tinham títulos de trabalho. E alguns eram bem diferentes daqueles que depois chegariam ao disco e lados B que também ali nasceram.

“All Apologies”, por exemplo, era então referido como “La La La”. “Moist Vagina” tinha, em vez de um título, uma descrição… digamos… bem explícita… Uma outra canção surgia ali referida como “Nine Month Media Blackout”, mas, quando foi incluída na reta final do alinhamento do álbum, o título era já “Radio Friendly Unit Shifter”.

É uma canção intensa, tanto na música como nas palavras. E houve já várias possíveis interpretações lançadas sobre o seu sentido, algumas apontando ao relacionamento entre Kurt Cobain e os media. Mas o próprio Cobain desmontou essas leituras e explicou que eram apenas frases soltas, curtas, sem um sentido intencional. Seria mesmo assim? A verdade é que, juntas, criam um momento poderoso…

 

▶️  All Apologies

A faixa que encerra o alinhamento de In Utero ganhou um lugar de destaque entre a discografia dos Nirvana. Se a honra de ser o cartão de visita para o álbum tinha cabido a “Heart-Shaped Box”, “All Apologies” partilhou com “Rape Me” o alinhamento do single “double A-side” que se seguiu. Esse single, no qual ambos os temas partilhavam o mesmo protagonismo, surgiu em vários mercados a 6 de  dezembro, tendo representado a última edição dos Nirvana em vida de Kurt Cobain.

Tal como “Pennyroyal Tea”, esta canção tinha já uma história antiga. Surgiu no apartamento de Kurt Cobain e Dave Grohl em Olympia, ainda em 1990. E teve, logo em janeiro de 1991, uma primeira versão gravada em estúdio. Era uma maquete, registada em Seattle, e mostrava a canção numa versão mais folk, na qual nem faltava uma pandeireta.

Na versão final, “All Apollogies” manteve a força melódica e poética da versão original. Mas o arranjo procurou outros caminhos. E levou a estúdio uma violoncelista, que, assim, juntamente com a segunda guitarra de Pat Smear, foi uma rara presença instrumental num disco praticamente todo ele gravado apenas com os três elementos da banda.

Num livro publicado em 2014, o jornalista Charles R. Cross, que acompanhou os Nirvana desde cedo e é autor de uma das melhores biografias de Kurt Cobain, sugeriu que o caminho que estava a ser pensado para o futuro da banda poderia passar por uma presença mais evidente de instrumentos de cordas, tal como se escuta em “All Apologies” ou no Unplugged que gravaram para a MTV em inícios de 1994. Ou seja, a canção que fechava o intenso In Utero seria a chave para um futuro mais tranquilo que acabaria por não acontecer…

A 30 de agosto de 1992, quando atuava no festival de Reading, Kurt Cobain dedicou “All Apologies” à sua mulher e à sua filha, Frances Bean, que tinha nascido poucos dias antes. Esta era, como ele chegou a descrever, uma canção sobre felicidade. E, assim, um álbum carregado de momentos tensos e intensos acabava com uma nota de esperança. O que guardaria o futuro?

 

Textos: Nuno Galopim | Locução: Nuno Reis
Sonoplastia: Gualter Santos