Oub'lá

Xinobi

 

“Continuo a ouvir punk rock e continuo a azucrinar a cabeça à minha mulher em casa”

 

Bruno Cardoso é Xinobi, DJ, produtor e um dos responsáveis da editora Discotexas. Um entusiasta das pistas, do universo do clubbing, dos discos a girar e dos corpos agitados com as batidas mais eletrónicas. Mas a verdade é que nem sempre foi assim: Xinobi cresceu, sobretudo, no mundo das guitarras distorcidas e velozes, das baterias aceleradas, das palavras de ordem do punk e do hardcore — foi, por exemplo, guitarrista dos The Vicious Five. A verdade é que a herança do it yourself levou-o a trocar as bandas por um trabalho mais solitário de composição de estúdio, diante de computadores, máquinas e sintetizadores com ocasionais instrumentos para dar corpo às suas faixas.

Depois do longa-duração de estreia, 1975, Xinobi regressa agora ao jogo das edições com On The Quiet, um disco mais uniforme, menos disperso, sem perder as complexidades. Bruno Cardoso explica as dinâmicas do álbum, apresenta-nos os convidados e recorda ainda os tempos de punk rocker e de skater que podem ter ficado lá para trás mas que ainda marcam a sua criação.

 

Depois de 1975, como é que descreves este On The Quiet? É um disco mais minimal?

Acho que é mais subtil, talvez. Parece mais minimal, eu sei, mas na verdade é um disco com muitas camadas. Creio que é muito mais coeso, de que eu gosto mais, e que foi feito num espaço de tempo muito menor do que o outro, daí eu tentei como que captar o momento.

 

De facto, parece haver um fio condutor mais notado no disco. Até parece que se ouve um chilrear na base dos temas… O primeiro era um trabalho mais disperso?

Assumidamente mais disperso. Este é um disco que tem sempre fild recordings: pássaros, barulho de água…

 

“Até há pouco tempo eu não fazia letras, não tentava cantar, não dava coisas que tentava cantar a ninguém… e o que escrevia era sempre coisas um bocado vagas e aqui tentei ser mais direto, mesmo que não de uma forma demasiado básica… se calhar devia ter sido mais — às vezes é o que interessa: ser panfletário”

 

Como é que tens tocado o disco ao vivo? Já andaste pelo South By Southwest e já o apresentaste ao vivo em Lisboa. Como é que é On The Quiet ao vivo? Tem o lado de poder ser tocado com instrumentos e por mais pessoas?

No South By Southwest experimentei algumas músicas e senti-me muito bem. Mas senti-me muito sozinho em palco, porque estive a fazer um live sem mais ninguém!

A ideia é ter mais três pessoas comigo — quatro, em determinado momento. Eu, o Óscar de Jibóia, a Ana Miró de Sequin, e o Vasco Cabeçadas da Discotexas e que tem os estúdios Pontiaq a meias com Miguel Vilhena. Apesar de ser um disco mais baseado em sintetizadores, ao vivo acrescento guitarras e faço um concerto mais rock. Transformo um disco eletrónico num concerto rock, basicamente.

 

O que é que te levou a fazer um disco tão compacto nesta altura?

Na verdade não foi uma coisa muito pensada. Não pensei: “vou fazer uma coisa que soe um bocado a uma obra inteira”, mas resolvi fazer o disco num espaço curto de tempo e creio que arranjei uma espécie de mood que me orientou o que eu queria fazer — ou que foi o que achei que deveria fazer. Esse mood apareceu depois de lançar, no ano passado uma música chamada “See Me”, com um ambiente um bocado mais escuro, épico mas sem ser com aqueles toques de épico aquele do rock progressivo, com demasiada ostentação. Acho que é por isso que pensas que é um disco minimal, apesar de não ser. Peguei nesse lado mais soturno, também no spoken word, e desenvolvi isso tudo.

 

É, de facto, um disco mais vocal.

Só tem um instrumental, na verdade.

 

No primeiro tema, “Skateboarding”, ouve-se uma espécie de discurso. Conta-nos quem é que aparece a falar.

É o Ian Mackaye, que era vocalista dos Minor Threat, dos Fugazi, e que criou a editora Dischord — uma editora de Washington, que só edita bandas de Washington, mas que se tornou uma espécie de template para editoras indie, que queiram manter-se sempre independentes. Uma vez, no YouTube, apanhei uma espécie de palestra que ele fez na Biblioteca do Congresso norte-americano, em que fala da juventude dele e do skateborading como sendo uma interpretação do urbanismo, da forma como se interpreta e usa a cidade. Deu-lhe um caráter muito pessoal, mas onde eu me revejo muito, que contorna os padrões: os prédios não são necessariamente só para as pessoas viverem: se me apetecer pintar uma parede, posso usar o edifício de outra forma. Ele dá o exemplo das piscinas que havia nos quintais das pessoas: são para tomar banho, mas se a piscina estiver vazia, como muitas vezes estão, muitos skaters usavam-nas para andar — por serem redondas em baixo e funcionarem quase como half pipes já construídos. É usar uma estrutura urbana para lhe dar uma segunda função.

 

Nesse tema apropriaste-te de uma voz já existente. E as outras vozes que se escutam no disco?

Há duas músicas que são com o Lazarusman: um poeta sul africano que eu admiro há imenso tempo e que nunca tinha tido coragem de o abordar. Não sei porquê, sempre achei que ele era um gajo meio inalcançável e afinal não. Mandei-lhe uns mails e ele demorou a responder, mas por ser um bocadinho desorganizado.

 

Pediste-lhe textos?

Sim, ele mandou-me primeiro a tal “See Me” — e fiquei logo impressionado. Depois trouxe-o a Portugal, toquei com ele no Alive e em mais uns DJ sets em que ele esteve a falar por cima. E na altura percebi que ele improvisa tudo: para o Alive disse-lhe para ensaiarmos a música ao que ele me responde: “Mas eu não consigo cantar isto como fiz na gravação, porque faço sempre improviso!” Ele acabou por gravar outra voz para outra música, que nem era para estar no disco — gravou porque queria entregar a alguém — e num minuto improvisou e fez tudo. Acabou por nunca usar e eu disse-lhe que aí usaria eu, porque a letra tinha muito que ver com o que estava a fazer no disco.

 

Sentiu a tua vibração para o disco ou tiveste de a explicar?

Eu tinha-lhe dito, durante uma viagem para o Porto, que tinha sentido falta, nas últimas músicas em que tinha participado, do discurso um bocado mais de consciência social. O Lazarus ouviu aquilo e começou, outra vez, a falar de coisas que interessam, por exemplo, a um sul-africano como ele, que vive de forma modesta, e com os problemas inerentes, como o racismo. Voltou às questões daquilo que podemos fazer pelo mundo e à forma como o podemos fazer. Pegou nisso e acho que ficou perfeito.

 

“Acho que é um disco mais mais subtil. Parece mais minimal, eu sei, mas na verdade é um disco com muitas camadas. Creio que é muito mais coeso, de que eu gosto mais, e que foi feito num espaço de tempo muito menor do que o outro, daí eu tentei como que captar o momento”

 

On The Quiet é um disco que vem mais com esse lado da consciência social?

Sim, foi propositado. Mesmo as letras que eu escrevi são a falar do que se passa hoje em dia e numa perspectiva mais pessoal, o desejo de estar longe desta “merda” toda. O título do disco, basicamente, é “Viver no Segredo” — On The Quiet — no sítio onde não há pessoas que fazem mal a todos os outros que vivem no mundo. Digamos que é um lugar utópico onde somos todos felizes, por muito hippie que isto possa parecer.

 

Sempre tiveste esse lado de consciência mais social. Estiveste muitos anos ligados ao movimento do punk rock e agora, na Discotexas, fá-lo com a música de dança. São géneros diferentes, mas com as mesmas motivações por trás?

Só que até há pouco tempo eu não fazia letras, não tentava cantar, não dava coisas que tentava cantar a ninguém… e o que escrevia era sempre coisas um bocado vagas e aqui tentei ser mais direto, mesmo que não de uma forma demasiado básica… se calhar devia ter sido mais — às vezes é o que interessa: ser panfletário.

 

Panfletário como nos tempos do punk rock… Voltaste a recuperar um pouco desse espírito?

Sim. E se tiverem o disco na mão, tem um booklet com uma data de coisas escritas que são, mais ou menos, a minha história: começa na altura em que eu andava de skate, pela minha passagem pelo punk rock e que perspetivas de vida é que isso me deu e o que é que eu uso todos os dias.

 

O que é que essa fase te deu enquanto pessoa?

O principal foi a desenrascar-me para fazer as coisas de que gosto. Se calhar, se não tivesse ido a uma data de concertos numa Casa Okupada, no Ritz Club em dada altura, nunca poderia ter prosseguido na minha vida a fazer música. Se calhar tinha encontrado um emprego mais “normal”. Se calhar não tinha feito um curso na Faculdade de Belas-Artes, não tinha arriscado uma data de coisas nas quais tive que aprender a safar-me um bocado e a controlar uma data de obstáculos. O punk rock ensinou-me que posso fazer um disco sozinho, ensinou-me onde e como é que posso fazer um disco em vinil… tive que aprender a trabalhar no Photoshop, a escrever sobre mim… (risos). Eu sou muito tímido: se não fosse isso, se calhar não tinha conseguido vir à rádio e ter que te aturar um bocadinho!

 

“Apesar de ser um disco mais baseado em sintetizadores, ao vivo acrescento guitarras e faço um concerto mais rock. Transformo um disco eletrónico num concerto rock, basicamente”

 

Qual é a relação do DJ e produtor de música eletrónica Xinobi com o punk rock?

Continuo a ouvir punk rock e continuo a azucrinar a cabeça à minha mulher em casa (risos). Compro disco de bandas novas, também. Só já não tenho banda e não vou a concertos… confesso, e tristemente o digo, que perdi um bocado o fio à meada: nem sei onde as coisas acontecem agora. Mas vou ter que redescobrir isso.

 

Com uma banda nova?

Sem banda, talvez. Acho que agora não tenho tempo de o fazer!

 

“O punk rock ensinou-me que posso fazer um disco sozinho, ensinou-me onde e como é que posso fazer um disco em vinil… tive que aprender a trabalhar no Photoshop, a escrever sobre mim… (risos)”

 

E para andar de skate, hoje em dia? O que é que gostas de ouvir: punk rock ou música eletrónica?

Dá tudo! Mas hoje já não ando de skate. Tenho um trauma muito grande: parti um braço de uma forma um bocado grave e ganhei medo. Mas antigamente o pessoal do skate era muito agarrado à cena do punk ou à cena do hip hop… mas agora diversificou muito. Temos o SWITCHST(d)ANCE, um artista português, que pegou numa manobra de skate e a misturou com dança… ele é um exemplo de como se pode ser skater e andar na música eletrónica.

 

Entrevista: Bruno Martins