Oub'lá

Two Door Cinema Club

“The Gameshow é o nosso álbum mais variado”

 

Depois de uma espécie de hiato para recalibrarem o foco e encontrarem novas coisas para dizer, os Two Door Cinema Club estão de volta aos discos. The Gameshow surge quatro anos depois de Beacon, um álbum que levou os irlandeses a digressões consecutivas pelos quatro cantos do mundo.

Entre cansaços e sufocos, a banda preciso de parar. Alex Trimble precisou do seu tempo para se reerguer e descobrir o motivo pelo qual ainda queria escrever. Diz que acabou por ser redescobrir quando se desligou da Internet e das redes sociais. Em conversa com o Oub’Lá, o vocalista e compositor conta-nos como foi esse período, as vantagens de estar mais “desligado”, a importância do produtor Jacknife Lee no processo criativo de The Gameshow e o futuro dos Two Door Cinema Club.

 

O primeiro single que lançaram para o vosso novo disco, “Are We Ready?”, foi lançado há um par de meses. O vídeo estreou por alturas do vosso concerto por cá no NOS Alive. É um teledisco bastante claustrofóbico, diria eu, com a quantidade de mensagens publicitárias que nos saltam para os olhos.

Não creio que estejas muito errado. A canção fala das dificuldades no mundo moderno com coisas como o capitalismo, a velocidade a que tudo acontece ou a forma como as pessoas te querem sempre vender alguma coisa. Os tipos com quem fizemos esse vídeo, os Thunderlips, são incríveis – génios, mesmo. Então quiseram mostrar a forma como este mundo que olha só para o comércio e acaba por te sufocar. Transmite essa ideia de como tudo isso nos asfixia e como lutamos para escapar a isso.

É um reflexo do que vivemos, não é?

Sim, e preocupa-me o que está a acontecer. Eu mantenho-me afastado da Internet. Claro que vou ao email e leio as notícias, mas não uso as redes sociais e isso mantém-me afastado do lado perigoso. A melhor forma de escapar a isso é viver o mundo em que estás e aproveitar onde estás, as pessoas com quem estás, em vez de estarmos sempre agarrados aos telefones, a falar com pessoas que não estão lá. Criam uma falsa vida online. É melhor para a nossa sanidade se nos afastarmos disso.

Como é que lidam com as épocas de festivais, com recintos carregados de marcas, de publicidade, de brindes a serem entregues a cada passo que damos? É inevitável?

Em festivais não costuma ser muito mau. São patrocinadores. Estas empresas investem dinheiro para ajudar estas pessoas a montar festivais e muitos deles não existiriam se não houvesse patrocínio. Mas o que vemos na televisão e na internet é muito mais agressivo. Aqui, a maioria das pessoas está cá pelo festival, pela cultura, e ignora o que está à volta.

“Fizemos uma longa pausa em que tive de descobrir quem é que eu era em que é que acreditava. Nunca tive tempo para fazer isso: deixei a escola e andei em digressão durante seis anos!”

 

A claustrofobia, o medo do lado perigoso da Internet ou as relações interpessoais foram ideias presentes na composição deste Gameshow?

Eu lutei durante muito tempo para encontrar o tom certo depois da nossa última digressão. Fizemos uma longa pausa em que tive de descobrir quem é que eu era em que é que acreditava. Nunca tive tempo para fazer isso: deixei a escola e andei em digressão durante seis anos! De repente estava de volta ao mundo real e não gostava muito do que via. Pensei muito, pesquisei, li, para encontrar quais eram os meus problemas com o mundo à minha volta e para conseguir encontrar a minha paz. Foi a conclusão: o que me provocava problemas eram coisas como a Internet. Parece um clichê, mas estou mais feliz sem essas coisas na minha vida.

Nesse sentido, que disco é este? Um álbum de reflexão ou uma resposta explosiva?

Ambos. O disco foi escrito num período de seis meses. Eu comecei a ter vontade de muita vontade de compor porque estava a escrever coisas que, finalmente, me faziam sentido. Mas só no fim do disco é que consegui perceber tudo.  Há uma progressão no disco entre a busca, a reflexão, a perceção das ideias. Só com isso tudo é que consegui ser verdadeiramente afirmativo – ou explosivo, como disseste.

Então como descreves este disco?

É o nosso álbum mais variado. Experimentámos muito e aproveitámos múltiplas oportunidades. É um disco que navega em várias correntes. Sempre tivemos um gosto muito grande pela eletrónica, mas também pelas guitarras, pela cena rock. Juntámos-lhe também alguns elementos de dança. Explorámos tudo isso individualmente: rock mais pesado, electrónica e grandes momentos disco. Eu ouvi muito Beck, Prince, Bowie… foram grandes inspirações.

 

“É um disco que navega em várias correntes. Sempre tivemos um gosto muito grande pela eletrónica, mas também pelas guitarras, pela cena rock. Juntámos-lhe também alguns elementos de dança”

 

No vosso primeiro disco, Tourist History, e apesar de serem  uma banda do universo do indie rock, trabalharam com um produtor do universo da house music, Eliot James. No segundo, Beacon, foi com Jacknife Lee (produtor dos R.E.M., U2, Snow Patrol, Editors…). Ele manteve-se nesse posto neste disco e por isso pergunto: foi importante para te ajudar a encontrar este equilíbrio?

Acho que não conseguiria ter feito o álbum sem o Jacknife. Durante aqueles seis meses em que estive a escrever, voava até Los Angeles durante uma semana, a cada dois meses, e ia para casa dele onde bebíamos café, ouvíamos discos, falávamos… Eu estava há tanto tempo sem fazer qualquer coisa já nem sabia se ainda conseguia fazer música. Foi ele que me encorajou. Apontou-me na direção correta e deu-me discos e livros importantes que mudaram a forma como eu via a escrita. Falávamos durante horas sobre praticamente tudo.

De uma forma terapêutica ou como amigos?

Mais como amigos. Tornámo-nos amigos muito próximos neste processo. Discutíamos muita coisa e chegávamos a muitas conclusões. Essa foi uma das fundações para este Gameshow.

Que discos é que ele te passou?

Muitos dos Talking Heads, Patti Smith, Frank Black – ou Black Francis. Quando voltei à escrita, a música já lá estava e nunca tinha ido embora. Eu tinha os pensamentos, mas não sabia como os escrever. Estes escritores de canções maravilhosos como o David Byrne ou o Frank Ocean foram uma grande ajuda. O Michael Stipe dos R.E.M., também. O Jacknife até tinha notas das sessões de gravação com os R.E.M. que me deixou ler. Foi muito bom.

Voltando à banda: como é que os Two Door Cinema Club perceberam que ainda eram uma banda, que ainda tinham razões para fazer música?

Tivemos um longo período separados porque tínhamos passado muito tempo em conjunto. Não é que nos odiássemos, isso não aconteceu, mas já estávamos um bocado fartos uns dos outros. Então não falámos muito durante cerca de um ano. O Sam tinha acabado de se casar e o Kevin estava a passar tempo em Los Angeles. Então andámos distantes. Entretanto, começámos a encontrar-nos em Londres: íamos beber uns copos, encontrávamo-nos, para nos voltarmos a conhecer. Houve um dia perguntei-lhes se eles queriam voltar a tocar.

 

“Escritores de canções maravilhosos como o David Byrne ou o Frank Ocean foram uma grande ajuda. O Michael Stipe dos R.E.M.”

 

Nunca chegaram a dizer que a banda ia acabar?

Não, isso não. Era só mesmo uma pausa. Mas nessa altura sublinhámos que tínhamos de fazer bem as coisas porque da última tínhamos feito asneira com as digressões longas. Então começámos a fazer as coisas devagar, a encontrar-nos aos poucos, mas também a falar mais, a mandar ideias, a partilhar livros e discos. E as ideias começaram a surgir de todas as partes e a transformá-las em canções.

Qual é o plano agora? Continuar a levar as coisas devagar?

Não sei se devagar, mas sempre a apalpar terreno aos poucos. Como disse: o Sam [Halliday] casou-se, o Kevin [Baird] vai casar-se, eu tenho uma namorada há muitos anos – o casamento não está em cima da mesa – mas todos temos prioridades fora da banda e então temos de estar atentos a isso. Em vez de irmos em digressão durante seis meses vamos durante um par de semanas. Voltamos a casa, às nossas vidas reais, e depois estrada de novo. Não nos queremos prejudicar desta vez!

Já há muitas bandas que voltam a pensar dessa forma. Já não querem passar a vida na estrada.

Nos últimos cinco anos, que passámos na estrada, a internet, os downloads ilegais e a partilha de ficheiros foi imensa. A indústria de discos sofreu muito com isso e a única forma de sobreviver era fazer as digressões! Então fartámo-nos de trabalhar. Fomos como que a aurora das bandas que sofreram com as consequências da Internet. As coisas começam a acalmar um bocadinho, com empresas a tentar corrigir as coisas. E nós também não podemos continuar naquele ritmo.

Entrevista: Bruno Martins