Oub'lá

TNT

 

“Sempre levei isto do hip hop numa onda mais informal. Hoje olho para tudo com mais seriedade”

 

TNT é Daniel Freitas: MC, produtor e fundador da editora Mano a Mano, de Almada. É figura presente há mais de uma década no hip hop nacional — em 1997 criou os M.A.C. – Missão a Cumprir com Kulpado e DJ LS. Em 2014 editou Unhas e Dentes, o seu primeiro disco a solo. Agora, três anos depois, regressa às edições a solo com MDO, uma sigla para Menino de Ouro. Todas as edições são especiais, mas há umas que são mais do que outras: TNT percebeu que queria dar um novo rumo à sua escrita. E pelo meio, foi pai. É um disco de claro crescimento e superação que conta com as participações de Carlão, Blasph, RealPunch e Melo D.

Entretanto, TNT tem estado a apresentar aquela a que chamou a “tournée mais pequena do mundo”: quinta-feira, dia 23, atua no Copenhagen Bar Lisboa; e no próximo sábado, 25 de março, vai estar em Sassoeiros (na Bana Store); dia 31 de março em Vila Nova de Gaia (na Mutante Hardware) e a 1 de abril em Braga (na Props).

 

Foi há quase três anos que te estreaste a solo com o disco Unhas e Dentes. Como é que nasce este segundo disco?

Inicialmente era o desencadear para um segundo volume do Unhas e Dentes. Mas à medida que fui fazendo música, senti que o disco estava a ganhar uma identidade própria e já não podia ser um volume dois: tinha que ser algo novo. Numa troca de ideias com a pessoa com quem eu trabalho mais — o meu irmão, Chikolaev — acabámos por chegar à conclusão que seria interessante dar-lhe uma identidade. E como o tema mais forte e mais pessoal do disco acaba por ser o “Menino de Ouro”, um bocado na sequência dos eventos que foram acontecendo na minha vida, acabei por dar esse nome ao disco.

 

O que é que desencadeou essa mudança na abordagem que fez com que o disco deixasse de ser Unhas e Dentes VOL2  e passasse a ser MDO?

Há ali uma linha muito ténue entre o rap underground — que sempre gostei muito de fazer e continuo a fazer — e o rap musical, quando se começa a tentar fazer canções, que acho que foi muito do que atingi no resultado final do disco. Houve um amadurecimento nas músicas: a meio do caminho percebi que queria ter uma abordagem mais musical e dar mais espaço a mim próprio para mostrar aquilo que valho enquanto compositor e letrista e como rapper.

 

Há uma altura na nossa vida em que apercebemo-nos que não somos só uma coisa.

Eu acho que sim. Para mim foi um amadurecimento a esse nível: gosto de olhar cada vez mais para mim enquanto músico, porque sempre levei isto do hip hop — e foi mais de uma década — numa onda mais informal. Hoje olho para tudo com mais seriedade, percebo que há um processo por trás de cada uma das músicas. Às vezes ouço outros músicos, em algumas entrevistas, outros músicos fora do rap, e hoje em dia identifico-me; percebo que há um processo criativo por trás: estar à volta de uma música, fazer letras, riscar, fazer de novo… Não é uma coisa tão simples como estar na rua com um auscultador no ouvido e a escrever uma música e sempre com uma batida em cima.

 

Já foi assim?

Houve alturas em que encarava as coisas de forma mais leve e se calhar mais divertida (risos).

 

Agora como é que é compor e ir para estúdio com mais seriedade?

É mais trabalhoso, mas o resultado é mais sólido e abrangente. O meu objetivo seria criar impacto em qualquer pessoa dos 8 aos 80. De qualquer das formas, no tempo que eu passo em transportes, nas deslocações para o trabalho, vou fazendo apontamentos mentais ou no telemóvel sobre temas de que gostava falar. Eventualmente vou eu à procura de criar uma batida que corresponda àquilo e faça  sentido. Depois preciso de um bom bocado que se pode prolongar por dias, semanas e às vezes meses para estar sentado a ouvir em loop uma batida.

 

Neste disco foste tu que fizeste a produção dos temas?

Não. Eu sempre produzi rap, batidas de rap, mas aqui não fiz nenhuma.

 

Porquê?

Precisava de me expandir e dedicar mais à minha escrita. Era o que me faltava evoluir, tanto ao nível do rap como a nível musical. Nunca dediquei, num disco, o tempo que gostava à escrita. Como tinha sempre para fazer a parte da produção e a parte de estúdio…

 

Havia sempre qualquer coisa que ficava para trás.

Sim, deixava ficar como estava porque achava estava bom o suficiente. E eu senti que precisava de evoluir a esse nível. Agora estou confortável com o nível que tenho.

 

Ficaste surpreendido com as tuas capacidades?

Sim, em músicas como o “Pro-Bono” — que consegui escrever a letra toda de uma vez. Fiquei muito contente com o resultado final. No outro dia ouvi o meu primeiro disco, com os M.A.C. – Missão a Cumprir, porque precisava de ensaiar para um concerto e… eh pá (risos). Está muito longe!

 

“Falo entre gerações. De mim, enquanto miúdo, de todas as promessas que se calhar olhavam e esperavam dali; falo de ter evoluído e ter-me tornado num homem e de agora ter um filho”

 

Quem é que convidaste para se juntar a ti neste disco?

A produção foi do DJ Player. Ele foi decisivo neste processo, porque com ele consegui reformular alguns temas que tinha inicialmente e dar-lhes uma roupagem nova foi muito importante.

 

Porquê o Player?

Entrámos em contacto através de uma outra pessoa que ambos conhecemos. Ele estava com vontade de trabalhar com M.A.C. — que só agora é que está em curso! — e acabámos por cruzar ideias. Fizemos um primeiro tema, que saiu no álbum do TOM editado pela Mano a Mano, e no processo acabámos por nos conhecer: eu fui até à Póvoa do Varzim ele esteve cá em Almada… criámos uma amizade que ajudou a criar os fundamentos do disco.

 

E acabou por ajudar a alterar o rumo que tinhas previsto para o Unhas e Dentes?

Sim, o Player teve influência mesmo a nível de produção executiva. Ele tem muita experiência. Ele, o meu irmão e o Pedro Quaresma foram pessoas que fui consultando no processo.

 

Se tivesses de fazer um retrato panorâmico deste Menino de Ouro como é que seria?

Diria que este disco é a calma depois da tempestade. Tive uma fase muito negra na minha vida, a vários níveis, e que se refletiu bastante no Unhas e Dentes. Depois disso foi quase… como diz o nome da música com o Carlão: “Catarse“. Um estado mais tranquilo, adulto, no qual já consigo olhar para trás e ver que está tudo bem.

 

Nesse processo de mudança, qual foi o papel que o rap e a música tiveram na tua vida?

Há uma expressão muito engraçada que os americanos empregam: “hip hop music saved my life”. Eu tenho a prova disso. Há muitas pessoas que fazem esta música e ouvem este género que se devem identificar com essa frase — tal como outros estilos musicais devem fazer o mesmo. É aquilo a que uma pessoa se pode agarrar em determinadas alturas da vida, não só pela mensagem como pela própria forma de fazer música, um bocado exorcizar certos fantasmas, mas não só. A escrita contribui sempre para libertares coisas que podem ser negativas, mas também positivas. Nesse nível, todo este processo artístico de criação, de fazer música e rap, tem-me ajudado a evoluir.

 

Olhando para o título do disco, Menino de Ouro, falas de ti?

Falo entre gerações. De mim, enquanto miúdo, de todas as promessas que se calhar olhavam e esperavam dali; falo de ter evoluído e ter-me tornado num homem e de agora ter um filho. Era para ter metido neste disco uma música chamada “Ciclos”, com o Valas, mas que não consegui acabar a tempo, e falava sobre esse processo geracional. Identifico hoje uma série de coisas em mim, em relação ao meu filho, que se calhar o meu pai via em mim. Creio que tudo esse processo acaba por se refletir no título do disco.

 

“Precisava de me expandir e dedicar mais à minha escrita. Era o que me faltava evoluir, tanto ao nível do rap como a nível musical. Nunca dediquei, num disco, o tempo que gostava à escrita”

 

Há cerca de um ano tive oportunidade de te ver ao vivo no festival Rimas e Batidas, no Musicbox, onde tocaste com banda. E foi interessante ver-te em palco e, cá em baixo, no meio do público, estava a tua mulher cá em baixo, grávida a olhar para ti. Esse lado da paternidade também teve uma influência neste disco?

Sim, estava grávida do Xavier. A paternidade teve influência, sim, mas não de uma forma consciente. É um bocado um lugar comum um MC ter uma música ou um disco dedicado a um filho ou a uma filha. Mas o meu processo foi diferente, porque o disco já estava muito criado, tanto que toquei grande parte das músicas nesse concerto, ainda antes do Xavier nascer. Quando soube que a Inês estava grávida já tinha muitas coisas feitas.

 

Já se iria chamar Menino de Ouro?

Não, ser pai influenciou no título e na mudança do conceito. Fez-me, acima de tudo, ganhar um bocadinho de jogo de cintura e alguma maturidade para conseguir conciliar a parte editorial, a parte artística, a família e o trabalho.

 

Menino de Ouro costuma ser aquilo que as mães dizem aos filhos quando têm muito orgulho neles. É o que os teus pais te chamam?

(risos) Eu não diria bem isso… os meus pais acompanharam sempre o meu trajeto pelo hip hop, com mais ou menos seriedade — muito pouca, inicialmente. Eu tive um estúdio em casa e levava para lá malta que nem imaginas! O pessoal era mais agressivo e o meu pai, volta e meia, dava uns murros na porta e pedia para não dizermos asneiras que ele tinha o escritório ao lado. Há 20 anos que levam com isto! Mas é engraçado que dei um disco ao meu pai para ele ouvir. “Então já ouviste o meu disco?” e ele respondeu: “Por acaso ouvi! E até te vou dizer: gostei muito. Pensava que o rap era algo com uma batida sempre igual e depois ias dando palavras por cima… aquilo parece que está bem trabalhado!” Foi a primeira vez que ouvi o meu pai a dizer, verdadeiramente, “gostei do teu trabalho”. Fiquei contente (sorri).

 

“Nem sempre é fácil gerir a editora e ser artista ao mesmo tempo. Às vezes é preciso pôr de parte o ego de rapper — que como deves calcular é gigante (risos) — para dar o lugar a outros. Dá muitas dores de cabeça e quem sofre mais é a minha mulher (risos) com as conversas que tenho com ela!”

 

Como é que concilias o lado de responsável pela editora Mano a Mano com o teu lado criativo?

Eu não o faço sozinho. Mas o núcleo duro também acaba por ser só duas pessoas.

 

Tu e o teu irmão Chikolaev.

Sim. Ele trata muito mais da parte visual e eu do resto. Embora eu crie, muitas vezes, sozinho, sempre gostei muito do convívio. Sinto-me muito bem quando as pessoas me reconhecem por terem ouvido a minha música — ou eu conhecer alguém pela música. Eu sempre quis ter uma crew, um conjunto de pessoas com quem trabalhar. Ganhei alguma experiência na edição ao fazer edição de autor, fiz parte da extinta Footmoovin’ — trabalhei com o Bomberjack, na parte de promoção. Foi daí que decidi fundar a Mano a Mano, mas nem sempre é fácil gerir e ser artista ao mesmo tempo. Às vezes é preciso pôr de parte o ego de rapper — que como deves calcular é gigante (risos) — para dar o lugar a outros. Não é fácil. Dá muitas dores de cabeça e quem sofre mais é a minha mulher (risos) com as conversas que tenho com ela. Estou a brincar com tudo isto, porque hoje em dia não conseguia fazer uma coisa sem a outra.

 

Se te pedíssemos um nome da Mano a Mano para estarmos especialmente atentos…

Nós temos os sub-20, a camada mais jovem. Destaco o TOM, pelo nível de liricismo e pela versatilidade: rima por cima de beats trap, depois vai buscar um boom bap clássico ou de outro estilo qualquer e faz a mesma coisa — não é muito normal para quem tem poucos anos de experiência. Depois estou a trabalhar também com dois rapazes da Margem Sul, o Silab e o Jay Fella: estão a trazer um soul, um groove para o hip hop que não é muito normal veres cá em Portugal.

 

Têm disco para breve?

Estão a fazer um disco para a Mano a Mano, com bases instrumentais originais.

 

Entrevista: Bruno Martins