Oub'lá

The Poppers

“As guitarras de rock têm que se fazer ouvir, têm que fazer sentir”

 

O regresso dos portugueses The Poppers aos discos vem com a benção do demónio – ou dos deuses do rock. Lucifer é o nome do terceiro disco da banda de Rai que nasceu da dúvida e da incerteza, mas que acabou por se concretizar num álbum afirmativo da sonoridade da banda. Depois de um primeiro trabalho gravado em Londres, o regresso a Portugal fez Rai perceber que o material e o som que trazia não o que desejava para a banda. A coragem e o ímpeto artístico falaram mais alto e o músico decidiu voltar ao estúdio para dar a sujidade que diz que o rock deve ter. Rai chamou Paulo Furtado para a produção e, juntamente com os colegas de banda Bonés e Bruno, construíram um álbum que mostra outras velocidades nos riffs dos The Poppers sem perder o infernal fogo do rock ‘n’ roll. O músico explica-nos, na primeira pessoa, as vontades que estão por trás deste novíssimo Lucifer.

Antes de este trabalho estar concluído houve uma passagem dos The Poppers por Londres, onde foi feito um outro disco que acabou por não ser o que agora nos chega. O que é que aconteceu?

Quando começámos a compor o terceiro disco surgiu a ideia de ir gravar a Londres. Andámos a ver vários estúdios e encontrámos um que se mostrou muito interessado em receber-nos. Enviámos as demos, e o produtor do estúdio, Richard Woodcraft, ficou bastante entusiasmado. Tínhamos juntado algum dinheiro, fizemos um crowdfunding e arrancámos para Londres. A ideia era sair da zona de conforto, ter uma experiência nova em termos de estúdio e de abordagem às própria canções, ter pessoas com um know how e conhecimento musical diferente. Basicamente criar uma experiência nova e desafiar-nos. E assim foi: fomos para Londres, gravámos o disco em quatro dias, voltámos para Portugal seguros e satisfeitos com o que tínhamos feito. Só que depois começámos a receber as misturas e aquilo não soava a nada do que eu tinha pensado para a sonoridade do disco. Não me soava bem. Ainda andámos a tentar fazer as misturas, a tentar abordagens diferentes, mas o resultado final não me satisfez.

Foi uma desilusão grande?

Desilusão… sim. Para ser sincero foi difícil processar esse episódio. Começa-se a colocar tudo em causa. As pessoas ouviam o disco e diziam-me que estava bom para sair. Mas eu não estava confortável e então não editei o disco. Nós não fomos gravar para Londres num acto de vaidade. Se fosse isso, o disco tinha saído: fui à procura de coisas novas e não as encontrei. Obviamente que foi um peso enorme por causa do investimento da nossa parte, incluindo o crowdfunding. Havia muitas coisas para serem geridas e por isso foi complexo.

 

“Devemos mostrar às pessoas o trabalho que nos deixa confortável sem pensar na opinião dos outros. Se as pessoas depois se identificam ou não já não é um problema teu, mas, pelo menos, daqui a dez ou 15 anos vais pensar: ‘Era mesmo isto que eu queria!’”

 

Mas não deixou de ser uma experiência marcante para aquilo que hoje ouvimos neste Lucifer?

Claro que sim. Depois optei por fazer uma pausa e perceber o que ia fazer a seguir. Acabei por ficar meio abalado, mas respirámos um bocado e voltámos ao trabalho. Este álbum tem poucas canções das sessões de Londres e as que tem vêm com uma abordagem completamente diferente aos instrumentos. São canções diferentes. Fez-nos bem. Olhando para trás, fez-nos bem e hoje estou super confortável com a decisão que tomei na altura. Estava certo e ouvindo o disco novo tenho certeza disso. A vida é feita destes episódios: a coisas não correm sempre bem.

Tinhas uma ideia concreta para este disco?

Eu tinha uma ideia para o disco como tenho para a sonoridade de Poppers e senti que o disco estava todo muito polido. As guitarras de rock têm que se fazer ouvir, têm que fazer sentir. Não sei explicar muito bem, mas era quase orquestrado, não era um disco de rock que eu quisesse avançar. Devemos mostrar às pessoas o trabalho que nos deixa confortável, que nos orgulha, sem pensar na opinião dos outros. Se as pessoas depois se identificam ou não já não é um problema teu, mas, pelo menos, daqui a dez ou 15 anos, quando ouvires aquele disco, vais pensar: “Era mesmo isto que eu queria!”. Não quero fantasmas. Quando se edita um disco é como se estivesse a sair à rua nu, porque fica-se disponível para receber qualquer tipo de comentário. É bom que estejas confortável com o que estejas a fazer.

Como é que olhas para os discos anteriores discos dos The Poppers?

Sinto-me super confortável. No primeiro disco [Boys Keep Swinging, 2006] sabia fazer pouco mais do que três acordes e a verdade é que tens lá os temas “Days of Summer”, “Mrs. ‘A'” ou “She’s On My Mind” com três ou quatro acordes. Era o que tinha na altura para oferecer. O segundo disco, o Up With Lust, continuo confortável: trabalhámos com o Nuno Rafael, com o Nelson Carvalho, foi um disco gravado em dois dias e meio em live act. Temos que conseguir situar as alturas em que as coisas foram feitas. Claro que existem pequenos detalhes de que não gosto tanto, mas que fazem parte do crescimento na música. Neste disco, por exemplo, há uma grande evolução na parte da guitarra, até porque fundei outra banda com mais três pessoas [Keep Razors Sharp] e tive tempo para explorar mais o instrumento guitarra e de ter algumas experiências que me fizessem compor este Lucifer.

O disco foi feito com a ajuda de crowdfunding. O facto de se envolver os fãs logo desde o início é uma pressão artística?

É, sim. Além da difícil decisão de não se editar um disco gravado em Londres e que cria uma enorme expetativa nas pessoas, o mais difícil foi comunicar às pessoas que teriam de aguardar pelo novo disco.Mas quem comprou o disco na altura não só vão ter acesso a Lucifer como vão ter acesso ao disco anterior: claro que temos de dar um espaço temporal, para as pessoas poderem ouvir, mas vão também receber o outro! Em vez de um disco, vão acabar por receber os dois. E acho que ninguém vai ficar com dúvidas de que foi a decisão correta.

 

“Neste disco há uma grande evolução na parte da guitarra, até porque fundei outra banda com mais três pessoas [Keep Razors Sharp] e tive tempo para explorar mais o instrumento guitarra e de ter algumas experiências que me fizessem compor este Lucifer.”

 

O Paulo Furtado foi o produtor do disco e acabou por ser mais do que isso. De onde vem essa ideia?

O Furtado gravou também os baixos do disco. Eu tenho um enorme respeito pelo Furtado. Somos amigos e somos próximos. Passou-me muitas vezes pela cabeça ir falar com ele e perguntar-lhe se ele queria fazer isto, mas a verdade é que tinha medo que ele me dissesse que não – não sei porquê. Até que houve uma pessoa que trabalha connosco e com o Furtado que me disse: “Fala com ele que ele vai aceitar produzir o disco”. Eu gosto sempre de envolver alguém para ouvir e criticar para tentar potenciar ao máximo e falei com ele: quando lhe perguntei e ele, antes de pestanejar, disse logo que sim. Senti logo que havia interesse por parte dele. Depois foi meter mãos à obra, ensaiar. Mas houve uma conversa muito importante dele, que nos fez chegar a esta abordagem. Uma conversa quase vital.

O que é que ele te disse?

Foram questões técnicas: tentar deixar respirar mais, aproveitar dinâmicas e os espaços das canções. The Poppers foi sempre muito puxado para a frente, sempre com aquele nervo. Em cinco minutos, depois de um ensaio, o Furtado disse-me tudo o que precisava de ouvir. Além disso, ainda acabou por gravar: o baixista saiu e ele predispôs-se a substitui-lo na gravação. O mais curioso é que o Furtado é canhoto e gravou os baixos todos com um baixo de destro, a ter de estar a fazer contas de cabeça porque a escala é ao contrário. Só veio confirmar o que já sabia dele: é um músico super talentoso e uma ótima pessoa para estar em estúdio.

 

“Além da difícil decisão de não se editar um disco gravado em Londres e que cria uma enorme expetativa nas pessoas, o mais difícil foi comunicar às pessoas que teriam de aguardar pelo novo disco. Mas acho que ninguém vai ficar com dúvidas de que foi a decisão correta”

 

O tema “Teenage Kicks”, uma versão dos Undertones, é a prova desse maior espaço dado às canções? A original é uma típica faixa punk, ao passo que a vossa tem mais um minuto, é mais lenta e íntima.

É isso, exatamente. E essa canção que ouves é o segundo take de estúdio! No penúltimo dia de trabalho o Furtado reparou que ainda tínhamos tempo no dia seguinte e sugeriu gravar uma cover. Acabámos por combinar fazer a “Teenage Kicks”. Acordei no dia seguinte, olhei para a letra, tentei interiorizá-la; e o guitarrista, o Bonés, tirou a canção antes de entrar na sala de captação. A “Teenage Kicks” é uma dessas canções que mostra que as canções têm mais espaço, mas há outras: a “Peyote”, a “Like Dust” também é super aberta e espaçada.

Este disco podia ter tido um desfecho muito diferente: Houve alguns acidentes de percurso, incertezas, erros, mas a banda acabou por encontrar um ótimo caminho, descobriram um produtor que foi mais do que um simples produtor, e o desfecho é um álbum excelente, maduro e muito rico. No meio de tanta sorte, porquê chamar-lhe Lucifer?

Tínhamos vários títulos, aqueles que se vão guardando ao longo do tempo. Mas quando estávamos a acabar de gravar o disco, comecei a ver aparecer, várias vezes, a palavra Lucifer. Desde um livro que andava a ler que falava de Lucifer, passando pela sessão de fotografias e o nosso baixista – o Kid Richards – ter um blusão que dizia “Lucifer”; eu próprio sonhar com o diabo…

 

“Eu tenho um enorme respeito pelo Furtado. Somos amigos e somos próximos. Passou-me muitas vezes pela cabeça ir falar com ele e perguntar-lhe se ele queria fazer isto [produção], mas a verdade é que tinha medo que ele me dissesse que não – não sei porquê”

 

E num disco de rock nunca fica mal!

(Risos) Nem foi tanto por isso. Foram mesmo muitas coisas que me apareceram à frente e nem pensei mais nisso. Foi mais o título que me encontrou do que eu a ele.