Punk 1977 – 2017

The Monks – Monk Time

Ao longo do ano, a Antena 3 vai revisitar o punk, canção por canção. Revisitar não só o punk que eclodiu em Inglaterra, mas também descobrir lá atrás no tempo, aqueles que o prenunciaram quando punk não era ainda género musical. Um pouco depois desse tempo, aqueles que dele frutificaram.

The Monks – “Monk Time”

Mas quem é que eles pensavam que eram? Que raio era aquilo e que raio queriam eles dizer com aquilo? Afinal que querem eles de nós, a andar assim pelas ruas, a tocar assim nos clubes, a dizer aquelas coisas que cantam quando nós só queremos passar um bom bocado e ser distraídos das coisas chatas da vida? De facto, quem é que pensavam que eram aqueles cinco militares americanos que, cumprido o serviço militar na Alemanha, decidiram ficar por Gelnhausen, no Hesse, e passar a tocar a sério, numa banda a sério. Que é que lhes passou pela cabeça para se inventarem enquanto The Monks e viverem 24 sobre 24 horas de acordo com o conceito?

Eles, os Monks, na Alemanha, ano 1966, a passearem pelas ruas com tonsura de frade no escalpe, capa de frade aos ombros, nó branco caído sobre a camisa. Eles, os Monks, banda de um álbum só, mas que álbum (“Black Monk Time”, clássico absoluto), a tocar perante o público estupefacto com a batida marcial do baterista, com o órgão em eletrocussão, com o baixo carregado de distorção, com o banjo transformado em instrumento eléctrico e fonte de feedbacks que tornavam ainda mais corrosivo o canto gritado e paranóico do vocalista. Em boa verdade, que era aquilo?, repetimos.

Aquilo, os The Monks, eram os anti-Beatles, como lhes tinham dito os dois managers alemães, estudantes de arte e design que lhes mostraram como se movimentar no meio musical do país. Aquilo, os The Monks, eram, disseram-lhes no final de um concerto, o som do futuro. Neste sentido: “O mundo de amanhã não será um lugar bonito. A música não será bonita. Se dizem que a música será bonita, então não conhecem o mundo de amanhã”. O Summer of Love ainda nem tinha chegado e os The Monks já o tinham ultrapassado. Viram bem, demasiado bem, o mundo que habitavam – e por isso viram longe, muito mais longe.

Gary Burger, Larry Clark, Eddie Shaw, Dave Day e Roger Johnston. Eis o nome dos cinco incendiários, dos cinco visionários que revolveram as entranhas do rock’n’roll para revelar o seu reverso negro, um espelho onde se reflectia o outro lado: a Guerra do Vietname e a ameaça atómica, a nossa tendência para a crueldade e para a auto-destruição, a ausência de sentido em toda a violência que nos rodeia todos os dias e que parecemos incapazes de impedir.

Os The Monks foram banda garage-rock a prenunciar o punk, foram banda vanguardista a inspirar os futuros kraut-rockers, foram americanos à solta na Alemanha a dizer-nos que de nada vale sonhar antes de chocarmos de frente com a realidade. “Era dizer não, era uma nova liberdade, um não positivo”, recordou Joachim Irmler, dos Faust, um dos grandes colectivos da música exploratória alemã da década de 1970. “Musicalmente era como um novo início. Baseava-se tudo numa batida, ritmo arcaico e feedback”, acrescentou Irmler.“Black Monk Time” anunciava-se sem perder tempo. Batida tensa, subterrânea, o órgão a fervilhar, o banjo feito guitarra a chocalhar, a guitarra ela mesma bem ligada à corrente. E depois Gary a gritar: “Let’s go, it’s beat time, it’s hop time, it’s monk time!”. Ele a disparar palavras e frases e nós a perceber perfeitamente que a música do futuro pode não ser bonita, mas depois de a conhecermos nunca mais poderemos passar sem ela: “You know we don’t like the army. What army? Who cares what army? Stop it stop it, I don’t like it… stop it! It’s too loud for my ears”.

Os Monks editaram apenas um álbum e a sua primeira vida acabou pouco depois, em 1967. Mas as sementes que deixaram germinaram, cresceram, propagaram-se. Meia década depois, os kraut-rockers alemães utilizavam em novas explorações o que tinham aprendido com eles. Uma década depois, nos Estados Unidos e em Inglaterra, bandas como os Dead Kennedys ou os The Fall tinham bem guardadas as suas cópias de “Black Monk Time”. O futuro de que os Monks tinham falado tinha chegado. Tinha chegado outra vez. Na verdade, ainda vivemos nele.


Texto – Mário Lopes
Voz – Daniel Belo
Sonoplastia – Luís Franjoso