Oub'lá

Pro’seeds

 

“Como é um grupo novo, com um nome novo, tivemos que quebrar barreiras”

 

“Serial no beat Score no corte pego no microfone e é garantido o rock.” É com esta promessa, em “Xapa3”, que arranca Soft Power Sagrado, o disco de estreia dos Pro’seeds, o trio do MC Berna, o produtor Serial [ex(?)-Mind Da Gap] e o DJ Score. Depois de “Soft Power Sagrado” e “Fora de Mim”, foi ao terceiro single que o grupo começou a ganhar uma maior visibilidade: falamos de um dos grandes temas portugueses do ano, “Quim”, uma faixa ao estilo de storytelling sobre uma personagem cheia vida de um bairro do Porto. Mas a verdade é que este Soft Power Sagrado — título inspirado numa famosa entrevista da ex-presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves — é muito mais do que a história de “Quim”. Nascido a partir de beats que Serial tinha na gaveta, o álbum esteve a ser construído e limado durante “quatro ou cinco anos”, como diz o rapper Berna, que cruza ideias musicais clássicas com um ouvido posto em desenhos eletrónicos mais contemporâneos e uma lírica que tanto sabe cativar o ouvinte por um lado mais divertido, como mostra um olhar afiado para a realidade crua.

O trio conta-nos que já está a pensar num sucessor para este Soft Power Sagrado, sem medo do “inconseguimento”. Mas o objetivo, nesta altura, passa por criar uma identidade mais esclarecida para o grupo, depois do tubo de ensaio que foi o trabalho de estreia. O produtor Serial também fala do anunciado fim dos Mind Da Gap. Ficamos a saber que as portas não estão fechadas e que é possível estar focado em vários projetos ao mesmo tempo, ainda que o presente seja dedicado ao futuro dos Pro’seeds.

 

Dois mil e dezasseis foi ano em que os Pro’seeds lançaram o primeiro disco em que já estavam a trabalhar há muito tempo. Qual é o balanço que fazem deste ano de estreia?

Berna — Sim, se calhar até passou mais tempo… talvez quarto ou cinco anos. Entre o crédito e débito, podemos dize que 2016 foi um ano positivo! (risos) Notámos que primeiro teve que haver uma associação entre o nome Pro’seeds e o facto de o grupo ser constituído pelo Score, pelo Serial e pelo Berna. Como é um grupo novo com um nome novo, acho que tivemos que quebrar barreiras. Mas agora sinto que as pessoas já nos identificam, que já sabem quem são os Pro’seeds.

 

O tema “Quim” teve um papel importante nesse descobrimento das pessoas?

Serial — Sim. Antes da “Quim” ainda houve dois singles: “Soft Power Sagrado” e depois a “Fora de Mim”. Em termos mais oficiais a “Quim” terá sido o nosso terceiro single… Mas por ter sido a mais reconhecida, por ter tido mais airplay, pode dizer-se que teve um grande impacto.

 

“Nós também precisamos de tempo para respeitar as ideias de cada um. Conhecemo-nos, mas uma coisa é cada um estar a fazer música no seu canto e outra é haver um espírito coletivo e uma identidade” — Berna

 

Os Pro’seeds começaram pela vossa proximidade enquanto vizinhos.

Score — Sim, nós já nos conhecíamos de outras andanças. Foi uma oportunidade de estarmos mais perto e trabalhar juntos.

Serial — Começámos a privar uns com os outros. Eles vinham à minha casa, ouvíamos coisas e começámos a desenvolver uma amizade, a passar a estar mais vezes juntos.

Score — É quase impossível o Berna ouvir um beat não lhe puxar para rimar. São aquelas coisas que lhe aparecem naturalmente.

 

O Serial, enquanto produtor, teve um papel — obviamente — determinante para aparecerem os primeiros temas.

Serial — É natural que, como produtor, tenha muitos beats guardados, que nunca usei. A curiosidade deles por ver o que tinha lá guardado também fez com que houvesse interesse. E foi a partir daí que começámos a trabalhar. Quando começo a trabalhar os beats não os aprofundo muito. Faço um beat, faço o loop, e depois é que vou trabalhando. Se alguém se interessar, acabo por fazer arranjo, desenvolvo-o para sair do estado de “demo”. Os que eu tinha lá em casa eram beats clássicos, que já tinham algum tempo. Alguns têm quase 12 anos! Mas lhes pego hoje, vou dar-lhes um toque mais atual, com as influências que tenho neste momento — com as coisas que gostamos de ouvir. Fica uma espécie de híbrido entre clássico e contemporâneo, embora dê para perceber que estão beats datados num determinado tempo — eu percebo isso eles também. Mas com esses arranjos acabo por trazê-los para os dias de hoje.

 

“A música é o tempo em que a fazes e o estado de espírito com que estás nessa altura. Provavelmente se fosse agora íamos fazer uma cena completamente diferente” — Berna

 

E consegues dar-lhes a chamada “segunda vida”.

Serial — É fixe, sim.

Berna — Nós também precisamos de tempo para respeitar as ideias de cada um. Conhecemo-nos, mas uma coisa é cada um estar a fazer música no seu canto e outra é haver um espírito coletivo e uma identidade. O Serial tem o estilo dele, eu tenho o meu, o Score tem o dele. Quando estamos juntos, damos espaço para que cada um dê a sua opinião sobre os scratch ou beats, mas a música acaba por ter uma identidade própria e acho que cada vez mais vai acontecer isso.

 

O que é que o Berna e o Score mais gostaram nos beats que o Serial já tinha?

Berna — Fazendo aqui um “rewind selectah” e puxando a fita atrás, foi a primeira vez que me deram dez ou 15 beats para escrever por cima. Dentro desses beats vimos o que dava para fazer e acabámos a fazer uma pré-seleção de muitas músicas, de algumas que nem sequer saíram no disco. A música é o tempo em que a fazes e o estado de espírito com que estás nessa altura. Provavelmente se fosse agora íamos fazer uma cena completamente diferente. Na altura, fiquei em casa, vários meses, a escrever (risos). Como eram só rascunhos, as músicas foram evoluíndo e ganharam outra vida.

Score — É engraçado ouvir os beats como nos chegaram pela primeira vez e depois ouvir a versão final. É uma diferença enorme: ao demorar estes anos todos, também acabaram por sofrer muitas mudanças com os arranjos. Havia alguns que se calhar nem gostávamos muito, mas no final, com tudo trabalhado e com as rimas nos sítios, passaram a ser mais os meus favoritos quando antes me passavam ao lado.

 

“O disco só não foi lançado mais cedo para que, quando saísse, pudesse estar no ponto” — DJ Score

 

O disco aparenta ter uma enorme coerência: mesmo que sejam de estilos diferentes, os temas parecem encaixar muito bem uns nos outros. Claro que ajuda termos só um MC a conduzir-nos pelo disco, do início ao fim, mas também é o resultado de quatro anos de estágio deste “Soft Power Sagrado”?

Score — Acho que sim. É o reflexo de sermos muito exigentes, em especial o Serial. Acho que o disco só não saiu mais cedo para que, quando saísse, pudesse estar no ponto. Ajuda, claro, ser só o Berna a escrever: mesmo que os temas sejam diferentes, nota-se que há uma interligação entre eles.

 

Como é que convivem com o disco hoje? Por um lado, uma grande felicidade, mas por outro sentem que já são temas datados?

Berna — Enquanto criadores da obra, também é um bocado masoquista estarmos a insistir nela. O que está feito, está feito. Mas chegámos a algo que consideramos ser universal. Se bateu em nós naqueles anos todos, também partimos do princípio que quem o ouve precisa de tempo de maturação, apesar de, em termos de roupagem das músicas, atualmente estar, achamos nós, um bocado descontinuado (risos). Eu, como escritor, mais do que agir em coisas que se passam no presente, tento fazer, mais ou menos, coisas universais. Podem não ter um impacto tão grande, porque estão um bocado à frente ou atrás do tempo atual, mas gosto que seja algo que se vai saboreando aos poucos e passados uns anos ainda se consegue ouvir.

 

“Nós até já chegámos a gravar músicas novas, mas estamos mais empenhados em descobrir um caminho para seguir, a tentar chegar à linguagem para fazer um próximo disco, mas quando partirmos para ele temos que ter certeza daquilo que queremos” — Berna

 

Sei que já está em marcha um novo processo de criação. É para um disco ou para algo mais intermédio?

Serial — Nós até já chegámos a gravar músicas novas, mas estamos mais empenhados em descobrir um caminho para seguir. A tentar chegar à linguagem para fazer um próximo disco, que está sempre presente na nossa cabeça, mas quando partirmos para ele temos que ter certeza daquilo que queremos. Neste momento estamos na fase de tentar encontrar o caminho em que nós os três nos cruzamos e conseguimos fazer algo coeso e que seja a linguagem que queremos para o futuro.

 

O “Soft Power Sagrado” nasceu dos beats do Serial. O próximo já terá uma maior colaboração, nesse campo — com mais dicas — do Berna e do Score?

Serial — Sim, nós somos um grupo. Este primeiro disco, de facto, ficou um bocado condicionado pelo facto de serem beats já antigos, em que não houve uma grande oportunidade de traçar uma identidade para nós enquanto grupo. Não era bem um disco como estes que queria fazer neste momento. Conseguimos encontrar a coesão, mas não quer dizer que seja o que vamos fazer no futuro. O próximo disco de Pro’seeds vai ser diferente. Este primeiro disco esteve no tubo de ensaio para ver como as coisas corriam. No próximo queremos ter uma linguagem própria e é isso que estamos a fazer neste momento: um brainstorming a tentar descobrir o caminho.

Berna — Olha, isto é a resposta politicamente correta. A verdade é que ultimamente só saímos à noite (risos). Estivemos muito tempo à volta do disco e quando saiu foi um bocado de descompressão, como aqueles camiões quando fazem 2000 quilómetros.

Score — Agora estamos a relaxar para poder ir para o próximo trabalho com as ideias no sítio. Podermos sentar-nos e estar a pensar no que fizemos e no que não fizemos.

 

“Esse anúncio dos Mind Da Gap acabarem foi um grande mal-entendido… o que posso dizer é que as coisas não estavam muito bem em termos de criação e não estávamos a trabalhar em nada (…) Mas eu não quero fechar as portas aos Mind Da Gap e acredito que as coisas podem melhorar” — Serial

 

Serial, com o anunciado fim dos Mind Da Gap também sentes que a tua cabeça fica livre para te concentrares a 120 por cento em Pro’seeds?

Serial — Esse anúncio de os Mind Da Gap acabarem foi um grande mal-entendido… o que posso dizer é que as coisas não estavam muito bem em termos de criação e não estávamos a trabalhar em nada. Nem sequer havia projeto para fazermos alguma coisa. Por um lado, o que dizes é verdade, mas eu não quero fechar as portas aos Mind Da Gap e acredito que as coisas podem melhorar. Não sei bem o que responder a isso…

 

Achas que vais passar a ter um outro foco para trabalhar com Pro’seeds?

Serial — Não, o foco é o mesmo! Podes ter vários projetos e estares focado em todos. Isso não é por aí.