Oub'lá

Mogwai

 

Every Country’s Sun é um título muito otimista”

 

Every Country’s Sun é o álbum que marca o regresso dos escoceses Mogwai. O nono disco dos rapazes que, com o peso das guitarras distorcidas e amplificadores empilhados, conseguem fazer agitar os corações mais empedernidos. É esse o grande poder do pós-rock?

Every Country’s Sun é também o disco que marca a reunião da banda com o homem que lhes produziu Come On Die Young e Rock Action, Dave Fridmann, mas também é o primeiro sem John Cummings, guitarrista fundador dos Mogwai. Ainda assim, diz-nos Barry Burns, baixista e teclista, é um álbum com mais guitarras em comparação com Rave Tapes, editado em 2014.

Os Mogwai voltaram a fechar-se no seu estúdio, a que chamam Castle of Doom (e vem-me à memória o Conde de Kontarr, da Rua Sésamo) para fazer um disco que Barry Burns diz ser mais esperançoso, de certa forma. Olhamos todos para o mesmo sol, ainda que ele brilhe de forma e a horas diferentes em cada país. É uma interpretação meio foleira feita por este que vos escreve, mas que Barry não nega. Ainda que seja apenas “um título idiota”, tal como os títulos das canções: “São coisas que alguém diz quando está bêbado”.

 

Vinte anos de Mogwai, nove álbuns e tantos fãs leais. Grande parte deste amor foi criado com muitas melodias, riffs de guitarras e distorções. Quais são os grandes desafios quando começam a fazer novas canções? Como é que decidem as canções em que vão ter letra?

Não é algo que falemos muito. Tentamos uma série de coisas e se não funcionarem, não usamos. De certa forma pode dizer-se que é meio científico, porque não temos grandes discussões: vamos tentando coisas e se funciona, usamos. É uma forma básica de fazer as coisas. Tentativa e erro.

 

Creio que é também o primeiro álbum dos Mogwai enquanto quarteto, depois da saída do John Cummings. O que mudou depois da partida dele?

Quando ele saiu estávamos muito ocupados. Havia bandas sonoras para escrever, mais uns concertos. Quase que nem tivemos para absorver isso. Foi uma espécie de decisão de negócio e avançámos para o álbum seguinte… da mesma forma que sempre fizemos. Foi esquisito… é estranho dizer isto, mas é como quando morre alguém morre (risos) e depois tem que se pensar nisso. Mas não houve muito tempo para isso, porque estávamos muito ocupados.

 

Every Country’s Sun é o nome desse novo disco. O que é que vos rodeava na altura que inspirou a construção deste disco?

Bom, nós todos escrevemos canções em separado. Não posso falar por todos, mas eu andava a ver muita televisão, a ouvir bandas sonoras. Quando fomos gravar o disco, por termos gravado no meio de nenhures, não vimos nenhuma televisão, não vimos notícias… mas foi quando estava tudo a acontecer à volta do Donald Trump, e da eleição dele. Nós afastámo-nos de tudo isso e só vimos filmes de terror antigos, jogámos computador… estávamos muito escudados em relação a todas essas coisas, por isso não terá sido uma grande influência.

 

Ainda assim: filmes de terror, vídeojogos, Donald Trump e Brexit… é uma boa mistura de influências…

Sim, se não estiveres aterrorizado pelo mundo real, devias ver filmes de terror.

 

“Quando fomos gravar o disco não vimos nenhuma televisão, não vimos notícias… mas foi quando estava tudo a acontecer à volta do Donald Trump, e da eleição dele. Nós afastámo-nos e só vimos filmes de terror antigos e jogámos computador…”

 

Estás aterrorizado com o mundo real?

Claro que sim. É um pesadelo… (risos) especialmente porque eu, a minha mulher e a minha filha vivemos na Alemanha, em Berlim, e não temos bem certeza do que nos vai acontecer por causa da história do Brexit. É uma barreira desnecessária…

 

O que é que te fez mudar para Berlim?

Foi há nove anos que sentimos que já tínhamos visto tudo de Glasgow. Passamos 70 a 80 por cento do tempo em Berlim e depois voltamos para Glasgow, que hoje já é um sítio muito melhor do que era…

 

Quando precisas de trabalhar em canções novas voltas para Glasgow, para o vosso estúdio, o “Castle of Doom”

Sim! Vamos para lá gravar. O último disco já foi um bocadinho diferente, mas fizemos todas as bandas sonoras lá em Glasgow. Mas eu faço a maior parte das minhas composições em Berlim.

 

Every Country’s Sun dá-me uma grande ideia de comunidade neste disco. Como se o sol brilhasse para todos de forma igual. Que mensagem quiseram transmitir com este disco?

Não sei se foi propositado, mas é um título muito otimista. O título do disco vem de um amigo nosso que achava que cada país tinha um sol diferente, por isso é que vivemos neste horror sem sol — no Reino Unido, por exemplo. Mas quando entras no avião e vais para Espanha tens um sol diferente. É estúpido, não quer dizer nada, é só idiota… mas também é assim com os títulos das nossas canções, coisas que se dizem quando estamos bêbados…

 

Ainda assim, há um lado optimista. O sol pode brilhar de forma diferente, mas é sempre só um.

É verdade. É uma boa forma de ver as coisas!

 

O disco também marca a vossa reunião com o produtor Dave Fridmann, com quem já tinham trabalhado em Come On Die Young e Rock Action. Como foi este reencontro?

Ele é incrível. Na verdade foi como se nunca nos tivéssemos separado. Voltámos tantos anos depois e foi como se nada mudasse. O estúdio é quase o mesmo, um bocadinho maior e mais fancy… mas foi ótimo trabalhar com o David. Ele deixa a música respirar muito, não passa muito tempo a corrigir… há erros musicais no disco e ele não quer saber. E nós estamos habituados a fazer tudo muito perfeitinho e ele a dizer: “vá, não se incomodem!”.E funcionou!

 

“O título vem de um amigo que achava que cada país tinha um sol diferente, por isso é que vivemos neste horror sem sol — no Reino Unido, por exemplo. Mas quando entras no avião e vais para Espanha tens um sol diferente. É estúpido, não quer dizer nada, é só idiota”

 

Pode dizer-se que o Dave Ele é uma parte importante no processo criativo da banda? Ele pôs-vos travões na adição de mais camadas?

Exatamente. E, por exemplo, se eu gravava coisas no computador, com simuladores de amplificadores, e lhe perguntava se ele preferia um amplificador a sério, ele dizia que não era preciso. “Se está a soar bem assim, vamos usar assim!” É muito prático, sem perder tempo.

 

Barry, achas que o trabalho com David Friedmann pode representar um regresso a um período específico da vossa carreira, ou, pelo menos, uma influência desse período?

Acho que vão sentir-se algumas semelhanças no som, apenas porque voltámos ao mesmo estúdio como mesmo produtor. Mas o David também é muito exigente e pediu-nos para fazer diversas coisas que nunca tínhamos feito; usar sintetizadores que nunca tínhamos usado… ele é muito experimental e nós também.

 

Tu tocas guitarra, teclados e também trabalhas com computador. Achas que os Mogwai estão a incorporar cada vez mais esses elementos no peso e no volume das guitarras pós-rock?

Neste disco não fiz nenhuma música na guitarra, acho eu. Eu toquei algumas das canções, mas escrevi tudo nos pianos, sintetizadores e teclados… Desde o Rock Action (2001) que temos vindo a crescer nesse sentido. Talvez tenhamos atingido o pico no último álbum e voltámos mais às guitarras neste.

 

“Fizemos uma banda sonora para o filme Before The Flood, do Leonardo Di Caprio. Mas só falámos com o Trent Reznor e com o Atticus Ross… e até mesmo aí foi muito por email… não conhecemos ninguém famoso (risos)”

 

É curioso que um dos guitarristas tenha saído, mas mesmo assim é um disco mais de guitarras.

Risos. Sim! Não é que seja um disco de mais guitarras… quer dizer, é, em comparação como disco anterior [Rave Tapes]. Acho que depende de quem escreve as canções: o Dominic [Aitchison], que é baixista, gosta muito de música mais pesada e escreveu muita coisa nas guitarras.

 

Ainda não têm datas marcadas para Portugal.

Não sei bem porque não vamos nesta primeira leva de concertos. Talvez porque não tenhamos tido um convite para ir aí tocar. Pode ser que vamos na próxima época de festivais, no próximo ano. Infelizmente, para algumas pessoas, que não gostam de festivais…

 

E tu gostas de festivais, Barry?

Depende. Alguns não têm nada que ver com música. Glastonbury é um festival de família, nem tem nada a ver com música. As pessoas compram os bilhetes mesmo sem saber quem vai. Depois há outros, no Japão ou o Primavera aqui na Europa, que são festivais à séria. Depende do organizador.

 

“Na verdade foi como se nunca nos tivéssemos separado. Voltámos tantos anos depois e foi como se nada mudasse. O estúdio é quase o mesmo, um bocadinho maior e mais fancy… mas foi ótimo trabalhar com o David Fridmann”

 

Além deste disco, vocês também trabalharam com o Leonardo Di Caprio, certo? 

Foi uma banda sonora para o filme Before The Flood. Mas nós falámos com o Trent Reznor e com o Atticus Ross… e até mesmo aí foi muito por email, porque pediam-nos músicas partes específicas. Houve algumas colaborações: eles escreviam música para documentário e nós fazíamos uma versão disso, e vice-versa (eles faziam versões de música nossa). Fizemos umas quatro ou cinco peças para essa banda sonora… mas não conhecemos ninguém famoso (risos). Tenho certeza que o Leonardo DiCaprio nunca ouviu uma música nossa…

 

Mas ele tem ar de ser um tipo porreiro. De certeza que vos deu alguma atenção. Esse é um documentário dedicado às alterações climáticas: é algo com que vocês também se identificam? 

Completamente. Nem o teríamos feito se não achássemos que é uma temática importante. E fico feliz de o termos feito, porque é bom que as pessoas apoiem esse tipo de coisas. Por isso nem sequer cobrámos um camião de dinheiro pelo trabalho, mesmo que seja dos documentários mais distribuídos de sempre! Não sabemos se vai fazer alguma diferença, mas ao menos nós tentámos!

 

Entrevista: Bruno Martins