Oub'lá

Minta & The Brook Trout

Foto: Pedro Pina

“Existem muitas semelhanças entre a Califórnia e Portugal”

 

Francisca Cortesão e Mariana Ricardo andaram, durante este último mês, em digressão pela costa Oeste dos EUA. Foram dez dias e sete concertos que serviram para apresentar de uma forma mais despida – com guitarra, ukelele e percussões –as canções dos três discos da banda, mas também celebrar o lançamento em cassete, em terras de Tio Sam de Slow, do terceiro álbum de estúdio do grupo.

Conversámos com Francisca Cortesão poucos dias depois de regressarem a casa, mas ainda com a memória fresca das experiências de palco, dos amigos que lá deixaram e dos passeios turísticos que, desta vez, houve oportunidade de fazer. Para breve deverá acontecer nova digressão pelos EUA, desta feita com os They’re Heading West, num país que é, cada vez mais, a segunda pátria de Francisca Cortesão.

Como é que que nasce esta oportunidade de voltares a fazer uma digressão pelos EUA – ainda que seja a primeira com o teu projecto Minta & The Brook Trout?

Quando nos estávamos a preparar para lançar o disco, eu já tinha em mente tentar editar este Slow nos EUA. A ideia era ser através de uma editora americana que editou o álbum anterior, Olympia, a Hope For The Tape Deck. Eles já lançaram o disco bastante tempo depois da edição original e tinha ficado, mais ou menos no ar, que poderiam vir a lançar também este último. Mas falei com o rapaz que está à frente da editora, que me disse já ter as edições mais ou menos fechadas para aquele ano e, como tal, não ia dar. Resolvi sondar, muito descontraidamente, a um amigo nosso californiano, o Greg Edwards – que se tornou nosso amigo quando fomos lá quando estivemos lá com os They’re Heading West. Foi ele que nos marcou uns quantos concertos da última vez que lá fomos e com quem fui mantendo correspondência (mesmo à moda antiga, por carta). Perguntei-lhe, descomprometidamente, se conhecia alguma editora que estivesse interessada em editar o nosso disco. Ele respondeu que ia abrir a sua própria editora para poder lançar discos de uma data de bandas locais da Califórnia, mas que teria todo o gosto em abrir uma exceção para nós. Como a nossa única ambição era que o disco saísse por lá, se pudesse ser pelas mãos de um amigo que gosta da nossa música, ficávamos encantadas da vida.

Então acabaram por editar pela Gaylord’s Party Music, um selo que tinha o objetivo de lançar bandas locais californianas, mas que acabou por ficar no catálogo com o disco de um grupo do outro lado do mundo!

Existem muitas semelhanças entre a Califórnia e Portugal, na verdade. Esta foi a terceira vez que lá fomos e, claro que a escala é bastante diferente, mas há muitas coisas que fazem lembrar Portugal, até mesmo em paisagens. O que aconteceu foi isso: ele lançou a cassete e eu perguntei-lhe: “e se fossemos aí?” Claro que não era possível com a banda inteira, porque não tínhamos possibilidade para isso. Ele respondeu que sim e que até ficávamos em casa dele. Marcavam-se uns concertos e fazíamos umas entrevistas – essa foi a parte que acabou por não acontecer, mas foi por um triz que não fomos à National Public Radio… Fizemos sete concertos, com algumas outras bandas que ele editou, todos mais ou menos na Baía de São Francisco.

Há um registo de vídeo de um concerto vosso por lá, num formato muito íntimo: tu na guitarra e a Mariana Ricardo com umas percussões. Enquanto intérpretes e escritoras de canções, o que é que ganham com este tipo de digressões tão íntimas?

É uma forma de provar que as canções sobrevivem noutro formato, fora do disco. As músicas são pensadas e gravadas de uma outra forma e nem todas se conseguem traduzir assim. A vantagem é que esta banda já tem uns aninhos, já tem três discos e algumas canções para escolher, por isso só tocamos aquelas que achamos que funcionam bem neste formato mais reduzido que, aliás, já tinha sido experimentado aqui em Portugal. Mas serem concertos para 60 ou 80 pessoas – em quase todos os casos, gente muito atenta – acaba por funcionar muito bem porque a atenção fica concentrada nas letras, nas melodias, sem grandes distrações. O primeiro concerto que fizemos foi um house show: abrem-se as portas de casa, recebem-se os amigos e os amigos dos amigos para fazer um concerto. Esse primeiro foi em Merced, num vale já mais perto de Yosemite do que de São Francisco. O rapaz que nos recebeu é músico – o RC – e nessa noite tocou a banda dele, os Awahnichi, a banda de um amigo dele e nós. As pessoas adoraram: riram-se das nossas letras, foram falando connosco durante o concerto… foi super engraçado. As pessoas não são nada tímidas: dizem se gostaram, do que é que gostaram e ficam a meter conversa e ficar a explorar o que foi o concerto. E isso tem um impacto grande.

Então nota-se muita diferença em cantar em inglês para nativos ingleses?

Nota-se! E isso foi uma rasteira que eu peguei a mim própria (risos). É um bocadinho esquisito ter que ir para tão longe perceber isso – podia ter ido para Inglaterra ver como funcionava. Suspeito que funciona melhor nos EUA e no Canadá, mas ainda haveremos de ir fazer o teste. Só que eu estou a tocar na língua dos senhores! Há um cuidado muito grande da minha parte a ver se não me engano na letra ou se não digo nenhum disparate. Mas é engraçado porque de facto as pessoas riem-se numas gracinhas que vou dizendo, às vezes fazem uns “ohhh” quando são coisas mais tristes. Mas isso também já nos tinha acontecido com os They’re Heading West. A grande diferença é que aí são três vozes e três compositores e ali são só as minhas coisas durante um bocado! É mais intenso para mim enquanto compositora ver ali as reações das pessoas.

 

“Espero voltar mais vezes aos EUA, tanto neste formato, como com a formação completa de Minta & The Brook Trout. Mas com They’re Heading West voltaremos não tarda muito”

 

Mas, regra geral, as reacções foram positivas.

Sim, foram. Logo no segundo concerto, num bar em São Francisco, estava uma barulheira muito alta quando começámos a tocar, mas segunda música acalmaram todos, a dar imensa atenção ao que ouvíamos. Fomos falar com os nossos amigos, o Greg e com a mulher dele, que nos disseram que tinha corrido mesmo bem: “Vocês já viram californianos a calarem-se? Não! É porque correu mesmo bem!”

Aproveitaram também para fazer um bocadinho de turismo. Ainda não conhecias bem aquela zona dos EUA?

Nós fomos duas vezes com They’re Heading West aos EUA: uma em 2011 e outra em 2014. Das duas vezes propusemos um itinerário em que cada concerto era tão longe do sítio seguinte que tínhamos pouco tempo para passear a não ser nas cidades. Desta vez tivemos três dias seguidos sem concertos e sem isso não teríamos conseguido ir ao Yosemite Valley e ao Sequoia National Park, que são dois parques naturais lindíssimos, mas ainda longe da costa e de cidades grandes.

Com Minta & The Brook Trout foi a primeira vez que foste aos EUA, mas, como disseste, já havia a experiência dos They’re Heading West. São objetivos que vão continuar presentes na tua carreira enquanto escritora de canções, agora que a ponte já está criada?

Sim, espero que sim. Tanto neste formato, como com a formação completa de Minta & The Brook Trout. Mas com They’re Heading West voltaremos não tarda muito. E de cada vez que os They’re Heading West saem de Portugal, de certa forma até levam as outras bandas todas e até os convidados, porque levamos os discos e falamos da música. Acaba por ser uma espécie de gabinete não oficial de exportação da música portuguesa (risos).

 

“Quando saio de casa, e quanto para mais longe for, faz com que a minha cabeça comece a trabalhar de forma diferente. Quando estou mais longe das minhas rotinas e das pessoas com quem estou mais vezes, parece que fico um pouco mais recetiva ao que está à minha volta”

 

Estas viagens também te oferecem novas histórias para contar nas tuas canções, mesmo que não sejam narrativas autobiográficas?

Sim, certamente. Sair de casa é sempre uma boa experiência. Quando saio de casa, e quanto para mais longe for, faz com que a minha cabeça comece a trabalhar de forma diferente. Quando estou mais longe das minhas rotinas e das pessoas com quem estou mais vezes, parece que fico também um pouco mais recetiva ao que está à minha volta. Os californianos, e os norte-americanos em geral, falam muito e contam muitas histórias. Isto para além das paisagens que são lindíssimas , de cortar a respiração. Isso entra tudo nas minhas canções e na minha felicidade em geral (ri-se). Desta vez falou-se, sobretudo, das eleições, mas até as pessoas acabam por aparecer nas músicas.

E agora, de volta a casa, o que é que vais andar a fazer?

Até ao final do ano vamos ter três concertos de Minta & The Book Trout: dois em novembro – um no dia 12 em Santa Maria da Feira, a meias com os You Can’t Win Charlie Brown. E na semana a seguir, dia 18, tocamos em Setúbal. Em dezembro temos mais um concerto no Porto, que ainda não posso anunciar, mas que está praticamente fechado. Mas eu também quero começar a escrever canções, para o próximo disco não ser como é meu costume: entrar em pânico na altura de gravar um disco porque não tenho músicas!

Entrevista: Bruno Martins