Oub'lá

Loyle Carner

 

“Sempre escrevi para manter conseguir manter-me à tona”

 

Aos 22 anos, Loyle Carner é tido com um dos nomes mais interessantes do hip hop britânico. Numa altura em que o grime é género de proa na música urbana vinda de Londres, este jovem crescido no sul da capital inglesa mostra-se um talento à moda antiga, das batidas boom bap, jazzísticas, a entrelaçarem-se numa poesia confessional de coração aberto. Em a Little Late, o seu primeiro EP, de 2014, Carner escreveu sobre o que lhe fazia doer a alma: em “BFG” rimava, de forma desarmante “off course I’m fuckin sad, I miss my fuckin dad” — depois da morte do seu padrasto. Em 2017, em Yesterday’s Gone, uma foto de capa com um retrato de família. Só sorrisos para a fotografia, a dar apoio ao jovem Loyle num disco que tem como título uma música que tinha sido escrita padrasto. Carner diz-nos nesta conversa que gostava de vir a Portugal tocar este disco, porque também veio cá várias vezes de férias com os pais. Todo ele é memórias: boas e más. “Passei muito tempo de volta de tudo isto, até acho que eu próprio cresci muito com esse trabalho. Até acabei por ultrapassar as coisas até ao escrever o disco.”

 

Pareces pôr muito dos teus sentimentos nas letras — já tínhamos percebido isso no teu primeiro EP, A Little Late, editado em 2014. Usas a tua escrita para organizar os pensamentos?

Exatamente. E isso não vem de ter começado a escrever músicas: eu sempre fiz isso sem começar a pensar em fazer música. Sempre escrevi para manter conseguir manter-me à tona.

 

Como é que tudo começou?

Foi sempre com a intenção, como disse, de me elevar.  Comecei a escrever poemas e a encontrar uma ligação grande entre aquilo que eu escrevia e aquilo que era o rap. Percebi que essas rimas e o hip hop estavam muito interligados. E nunca mais parei.

 

O que é que gostavas de ler?

Muita coisa… Mas há dois poetas que quase sempre me acompanharam: o Langston Hughes e o Benjamin Zephaniah.

 

Ainda lês muita poesia?

Tento ler, sim. E tento ouvir pessoas a recitar, até porque há muita poesia no Spotify.

 

Quando começaste a compor este Yesterday’s Gone já tinhas presente tudo o que querias escrever ou ainda são memórias e palavras herdadas daquilo que fizeste no teu primeiro disco?

Quando comecei era apenas para tentar dar sentido àquilo que se passava na minha cabeça. Eu não sabia bem a estrutura completa do que iria ser o disco.

 

Estas canções estão escritas há muito tempo, coisas que já ultrapassaste ou ainda estás a lidar com aquilo que elas contam?

Depende. Há algumas que foram escritas mesmo no final do ano passado e outras são mais antigas. Mas a maior parte delas foram criadas nos últimos dois anos, pelo menos os rascunhos. É estranho, porque passei muito tempo de volta de tudo isto, até acho que eu próprio cresci muito com esse trabalho. Acabei por ultrapassar as coisas até ao escrever este disco. Não só escrevi as canções, mas também encontrei nelas algum sentido.

 

“Não sei se trago uma nova visão. O que sei é que tento trazer uma sonoridade mais antiga de volta. É uma forma de lembrar as pessoas de que ainda está presente um hip hop britânico mais antigo”

 

Como é que funciona o teu processo de composição? Primeiro escreves as letras e depois tentas encontrar um beat para as encaixar?

Normalmente prefiro escrever para os beats. O que tento fazer é começar uma canção, mas só faço as primeiras quatro estrofes. É nessa altura que páro até encontrar um beat e só depois disso é que acabo. Tento equilibrar tudo.

 

Ouvimos muitos pianos, coros gospel e uma sonoridade muito jazzística neste Yesterday’s Gone. É uma sonoridade mais próxima daquilo que é um hip hop norte-americano e não tanto britânico (pelo menos o dos últimos anos). Achas que este teu disco traz uma visão nova ao hip hop inglês, tão conotado com o movimento grime?

Não sei se trago uma nova visão. O que sei é que tento trazer uma sonoridade mais antiga de volta. É uma forma de lembrar as pessoas de que ainda está presente um hip hop britânico mais antigo.

 

“Adorava grime — e ainda adoro. É um género de que sou fã desde muito jovem, só que quando comecei a fazer música senti-me mais próximo destas batidas de hip hop mais clássico”

 

Foi esse hip hop inglês mais antigo que te fez querer ser músico? Os Roots Manuva, por exemplo?

Não sei bem. O hip hop foi aquilo que me agarrou, aquilo em que fiquei porque adorava. E como esse tipo de artistas faziam hip hop com esse sotaque britânico sentia-os muito próximos de mim. Então fazia todo o sentido.

 

Mas nota-se que há uma ligação próxima com o boom bap mais clássico dos anos 90. Quem são as tuas maiores influências?

Common, Mos Def. Adorava o Biggie Smalls, Big L, Talib Kweli… adoro-os a todos.

 

“Comecei a escrever poemas e a encontrar uma ligação grande entre aquilo que eu escrevia e aquilo que era o rap. Percebi que essas rimas e o hip hop estavam muito interligados. E nunca mais parei”

 

Nunca te sentiste próximo do grime?

Senti, sim. Adorava grime — e ainda adoro. É um género de que sou fã desde muito jovem, só que quando comecei a fazer música senti-me mais próximo destas batidas de hip hop mais clássico.

 

Queres explicar-nos o quer dizer este título, Yesterday’s Gone?

Era o nome de uma canção escrita pelo meu pai… é uma das minhas canções favoritas do meu pai [Nik, o padrasto, era músico]. E como, espero eu, este disco vai ajudar-me, finalmente, a deixar algumas preocupações para trás, fez-me sentido. É também o nome da última faixa.

 

A capa do teu disco denuncia a ligação muito próxima que tens com a família e amigos. Como é que eles se interligam com a tua música, como é que te influenciam?

De forma gigantesca. A começar em coisas simples, como eu mostrar-lhes diferentes canções e pedir-lhes opiniões e conselhos sobre aquilo que lhes mostro.

 

Agora que o disco está cá fora é altura de mostrá-lo. Tens prevista na tua agenda alguma passagem por Portugal?

Adorava, meu. Já fui aí várias vezes, mas sempre de férias. Era um país onde o meu pai e a minha mãe me costumavam levar. Talvez tenha sido aí o país onde melhor comi. Adoro o bife de atum! Mas espero voltar em breve: estamos em digressão nesta altura e a Europeia está mais ou menos fechada — não consegui arranjar um buraco para Portugal e Espanha, mas vamos tentar. Espero que mais cedo do que mais tarde!