Oub'lá

Ditch Days

 

“O desejo de fugir da azáfama da cidade”

 

Podiam ser californianos ou australianos. Mas não: os Ditch Days são mesmo de Lisboa. Alfacinhas com desejo de dias de gazeta, com poucas preocupações, alegria e tranquilidade. É assim que Guilherme Correia, José Crespo, Luís Medeiros e Rafael Traquino imaginam a vida em Palm Springs ou Melbourne. E foi com essa ideia de dias ensolarados que nasceram, em tempo recorde, os Ditch Days. O primeiro disco, Liquid Springs, começou por ser uma coleção de recortes instrumentais que cresceram para canções próximas do universo dream-pop, de guitarras a ecoar pelos céus em tons laranja.

Luís Medeiros, o vocalista, conta-nos a história deste trabalho de estreia.

 

Desde a formação dos Ditch Days até ao lançamento deste primeiro disco: tudo aconteceu num tempo recorde — menos de um ano. Foi mesmo assim?

Tem mais do que se lhe diga! A história pode parecer repentina para o público, mas nós já nos conhecemos há muito mais tempo e além de já termos tocado juntos noutras bandas — só por diversão — o projeto Ditch Days já vinha sendo trabalhado há uns bons meses. Começou só com o [José] Crespo e com o Guilherme [Correia], guitarrista e teclista, que começaram a fazer músicas sozinhos, mas entretanto chamaram-me para a banda porque queriam começar a reproduzir ao vivo aquilo que estavam a fazer. Foi aí que se criou o núcleo duro da composição e isso aconteceu ainda uns meses antes de começarmos mesmo a banda, de lançarmos o primeiro single, “Melbourne”, e depois o álbum.

 

Mas a formação dos Ditch Days aconteceu já em 2016?

Eles começaram no fim de 2015 e eu entrei para a banda em 2016. Em meados de março, como full time member.

 

“Quando entrei, até era para ser só baixista, porque, numa primeira fase não era suposto ter voz. Estávamos mais na onda de fazer uns instrumentais com samples, tudo muito na base de reverbs e paisagens sonoras”

 

Então já se conheciam antes. Eram amigos da escola?

Já tínhamos tido outros projetos. Conhecemo-nos, alguns de nós na faculdade. O baterista, o Rafa, também é meu amigo e já tinha tocado comigo. Foi um bocado a mistura da faculdade com andar a jammar todos juntos, noutras bandas mais pequeninas.

 

Quando te juntaste ao Crespo e ao Guilherme, eles explicaram-te quais eram as ideias que tinham para a banda?

Nós já éramos amigos, por isso estava totalmente ciente da música que andavam a fazer. E fui acompanhando o crescimento conceptual da banda. Quando entrei, até era para ser só baixista, porque, numa primeira fase não era suposto ter voz. Estávamos mais na onda de fazer uns instrumentais com samples, tudo muito na base de reverbs e criar paisagens sonoras.

 

“Nós temos sempre uma questão existencial: somos um conjunto de amigos de Lisboa, que fazem a vida na cidade, e a música que fazemos não corresponde exatamente àquilo que nós somos. É mais um escape para aquilo que também gostaríamos de ser”

 

Como é que aparece a voz, então?

Quando já estávamos em estúdio, a gravar com o Miguel [Vilhena], dos Savanna, é que começámos a dar por nós a fazer composições que encaixavam bem no formato de canção, tinham bastante valor para esse formato. Foi aí que começámos a meter vozes e acabei por ficar eu o vocalista, apesar de o Guilherme e o Crespo cantarem bem e acompanharem a maior parte das vezes, sobretudo ao vivo. Mas o conceito que eles foram definindo eu fui acompanhando, mesmo não estando na banda e mantém-se: continuam a ser as paisagens soalheiras, que podem ser urbanas, mas estão mais associadas ao verão e ao desejo de fugir da azáfama da cidade.

 

Por serem uma banda urbana, achas que a música que fazem é o desejo de encontrar, através da música, as tais paisagens quentes e cheias de sol?

Acho que sim: nós temos sempre uma questão existencial: somos um conjunto de amigos de Lisboa, que fazem a vida na cidade, e a música que fazemos não corresponde, exatamente àquilo que nós somos. É mais um escape para aquilo que também gostaríamos de ser. Vivemos todos em Lisboa, passamos a nossa vida na cidade e às vezes gostávamos de ter “ditch days” — dias de gazeta — dias sem preocupações e é assim que expressamos essa nossa vontade e tentamos transportar-nos a nós e as pessoas para esse ambiente de poucas preocupações, alegria e tranquilidade. Chill.

 

“Todas as horas que estivemos em estúdio foram divertidas. Não houve um segundo em que sentíssemos que estávamos a trabalhar — então, por aí, até se podem considerar que foram dias de gazeta”

 

Mas este disco não nasce de nenhuma “gazeta”. Entre tu entrares para a banda, de forma mais oficial, e o lançamento de Liquid Springs passaram seis meses!

Houve mesmo muito trabalho envolvido no disco, seja por estarmos num processo muito grande de criação de identidade e de desenvolvimento conceptual. Como te disse, nós ainda entrámos para o estúdio com uma ideia de fazer um disco instrumental. Só em estúdio, e já com a ajuda do Miguel, que nos ajudou a desenvolver as melodias de voz, é que as coisas ganharam esta forma. Todo esse processo foi muito moroso. Entrámos com uma ideia e acabámos com uma evolução dessa ideia. Demorou tempo, mas todas as horas que estivemos em estúdio foram divertidas. Não houve um segundo em que sentíssemos que estávamos a trabalhar — então, por aí, até se podem considerar que foram dias de gazeta (risos).

 

Já tinham experiências anteriores de estúdio?

Só em coisas muito pontuais, que nem envolveram processos de criação. Foi só mesmo ir gravar. Ficámos viciados, acho eu: não paramos de pensar em novas músicas e imaginar quando é que podemos voltar para o estúdio para começar outra vez a compor.

 

As bandas costumam fazer primeiro EPs e só depois é que partem para um disco. Descobrem-se primeiro num formato mais curto. Vocês optaram logo por fazer nove canções e um álbum.

De facto tivemos um output criativo muito grande e até sobraram algumas músicas que acabámos por decidir não usar. Este álbum é uma junção de músicas que foram todas compostas num período de tempo: a maior parte foi pelo Crespo e pelo Guilherme logo no início, outras que já fomos nós os três que fizemos; outras que pegámos para fazer alterações e meter voz. De facto, sempre pensámos em lançar um álbum porque havia uma ideia na nossa cabeça que queríamos logo deixar bem patente qual era a nossa cena e no final da gravação do disco já o tínhamos percebido e valia a pena começar logo com álbum: tem mais impacto, é um trabalho mais completo e que nos define bastante bem.

 

O título Liquid Springs é também uma homenagem ao período do ano em que foram mais criativos?

Foi principalmente na primavera e um bocadinho no verão. As músicas que fizemos serviram para sair do ambiente real onde estamos, de ir para um sítio diferente, sem preocupações, muito ao estilo daquilo que imaginamos como sendo californiano ou australiano. E pensámos em criar um Estado imaginário, uma cidade imaginária: fizemos um brainstorming, a pensar em nomes que refletissem isto. Criámos a nossa Springfield, dos Simpsons. “Springs” é o nome associado a várias cidades americanas — Colorado Springs, Palm Springs… —  e confesso que fomos lá pela fonética, que achamos muito bonita. Inspirava bons sentimentos e soava bem. “Liquid” remete-nos para algo de verão, flexível e absorvente.

 

“Criámos a nossa Springfield, dos Simpsons. Springs é o nome associado a várias cidades americanas — Colorado Springs, Palm Springs… —  e confesso que fomos lá pela fonética, que achamos muito bonita.”

 

A música americana é a principal influência para as melodias dos Ditch Days?

Mais do que americana, diria anglo-saxónica. E não só em termos musicais, mas mesmo em termos conceptuais, em termos de feeling do que gostamos de tentar expressar, de trazer para a nossa música. Por exemplo, Tame Impala é uma influência, mas não daquelas que quem estiver a ouvir a nossa música vai topar montões de apontamentos. É mais da forma como nos parece que eles se expressam. E como eles há bandas mais pequenas: os Winter, de Los Angeles, que são três americanos e uma rapariga brasileira que foi viver para LA e fazer um dream-pop/dream rock; ou os Froth, que não tendo praticamente nada que ver com a nossa, inspirou-nos muito, em termos de conceito, forma de estar e sentimentos que pretendemos transmitir.

 

A vossa música também já vos fez viajar? Este Liquid Springs já vos levou a muitas outras terras?

Sim, no final do verão andámos a tocar por meio Portugal — Vila Real, Guimarães, Braga, Castro Verde, Lisboa… E foi incrível. Também conseguimos encontrar aqueles sentimentos que associávamos à onda californiana ou australiana, ao countryside, nas nossas viagens.

 

Há algum local que te tenha marcado de forma especial?

Lembro-me que fiquei muito espantado — e a malta também — com Guimarães. É uma cidade tão limpa, bonita e organizada. Há uma grande simbiose entre a parte histórica e mais cultural com a parte moderna. E quando te afastas um bocadinho do centro são paisagens naturais incríveis.