Oub'lá

D’Alva

 

“O nosso som está a tornar-se numa espécie de salada de frutas de géneros diferentes”

 

Ben Monteiro e Alex D’Alva Teixeira estão a meio do processo criativo de um novo álbum. Desse processo, que tem sido feito, muitas vezes, sob o escrutínio dos fãs — através de uma plataforma de livestream — já nasceu um primeiro avanço: chama-se “Amor Missão”, um tema que traz de volta o universo funky e pop dos D’Alva e que abre o apetite para o que se segue. Para já, a única certeza é que Ben e Alex querem oferecer algo de fresco e maduro quando for altura de lançar o sucessor de #batequebate. “Agora temos outras questões: mais do que ter certezas, temos questões e queremos colocá-las às pessoas”, diz-nos Alex.

 

Foi há um par de semanas que editaram o novo single, “Amor Missão”. O que é que representa este avanço?

Lembro-me que quando estávamos a fazer a música sentimos a necessidade de começar a fazer um disco novo, naquilo que seria um segundo disco dos D’Alva. Mas na verdade sentíamos que não tínhamos nada para dizer, nada que quiséssemos comunicar. Mas depois tivemos esta ideia de querer fazer um single com toda a gente a ver, então aproveitámos o livestream, numa parceria com o Tradiio. E foi aí que nos apercebemos que, afinal, havia algo para dizer, que tínhamos algo diferente para pôr em cima da mesa. Então estamos a gravar o segundo disco.

 

O que é que têm agora para dizer às pessoas?

Acima de tudo, tanto eu como o Ben crescemos um bocado e olhamos para o mundo de uma forma diferente. O #batequebate tem uma visão um bocado naive. Agora temos outras questões: mais do que ter certezas, temos questões e queremos colocá-las às pessoas. Daí o refrão de “Amor Missão” começar com uma pergunta: “Se estar certo é munição, de que vale ter razão?”. É uma questão que é simples e que surgiu não só pela forma como observamos as pessoas a comunicar entre si na Internet, principalmente quando não concordam com as opiniões umas das outras. E parece que ultimamente é cada vez mais recorrente haver atritos e animosidades quando as pessoas não partilham as mesmas opiniões.

 

“Houve uma altura em que este nosso à-vontade com a Internet tornou-se numa espécie de faca de dois gumes. Existem coisas boas, como a facilidade de comunicar com as pessoas ou facilitar o acesso daquilo que fazemos a toda a gente… Mas a Internet traz outras coisas que não são assim tão fixes: por exemplo — por ser algo tão livre, perde-se a noção de que quem está do outro lado é uma pessoa e tem sentimentos”

 

Essas questões que querem colocar também vos surgiram pela forma como começaram a trabalhar no disco, com os livestreamings?

Talvez. Tenho que confessar uma coisa: houve uma altura em que este nosso à-vontade com a Internet tornou-se numa espécie de faca de dois gumes. Existem coisas boas, como a facilidade de comunicar com as pessoas ou facilitar o acesso daquilo que fazemos a toda a gente… de repente as pessoas chamam-nos “a banda da Internet” e tudo o que fizemos foi utilizar a Internet como toda a gente utilizava no quotidiano, só que em contexto de banda. Mas a Internet traz outras coisas que não são assim tão fixes: há pessoas que não têm noção do respeito pelo espaço dos outros, por exemplo — por ser algo tão livre, perde-se a noção de que quem está do outro lado é uma pessoa e tem sentimentos. Não é que tenhamos sofrido uma espécie de cyberbulling, mas…

 

O que é que aconteceu, então?

Acho que foi um bocado um “complexo de Black Mirror”… nem sei explicar muito bem, porque acaba por ser muito do subconsciente. Tem mesmo que ver com o uso pessoal da Internet.

 

Sentes que vos levaram menos a sério?

Não sei. Há pessoas que acham que o D’Alva são uma banda que dão uns concertos muito fixes para uns putos saltarem — e é na boa, porque nós damos concertos muito giros e não esquecemos os putos que existem dentro de nós. Mas também há pessoas que olham para nós enquanto artistas e pessoas que pensam as coisas e também estamos OK com isso. Tanto eu como o Ben achamos que somos artistas e a música pop é o meio que usamos para criar arte. Mas essa questão da Internet tem mais que ver com o uso pessoal da mesma. E para muito sincero: até pensar sobre estas coisas ainda é um work in progress. Estamos a pensar nisto e a tentar chegar a conclusões. Acima de tudo, sinto que estamos a meio de um processo, tal como um artista que está a criar uma performance: há um caminho que tem que ser percorrido até chegar a um resultado final. Nós estamos a olhar para este disco como se fosse uma peça artística e não como se fosse só música.

 

“Tanto eu como o Ben achamos que somos artistas e a música pop é o meio que usamos para criar arte”

 

Quer dizer que já se protegem mais da Internet?

Acho que a Internet, no meio disto tudo, é só um tópico no meio de outros que queremos abordar. E são fases: houve uma altura em que se eu pudesse apagava o Facebook e no dia seguinte já estava a dar tudo no Instagram outra vez. Acima de tudo isso ajuda-me a perceber que as pessoas são multidimensionais e conseguem gostar de várias coisas diferentes.

 

De que forma é que essas reflexões se vão traduzir musicalmente? Recordo-me que há um par de aos eras muito mais ligado às guitarras e aos sons do rock. Este primeiro avanço, “Amor Missão” é um tema com uma sonoridade claramente pop, super funky e divertida: é esse o ambiente em que estão a trabalhar?

Acho que, à semelhança do disco anterior, vai ser variado, com moods diferentes. No outro dia estava a falar com o Ben: se eu dissesse ao Alex de há dez anos que em 2017 ele ia gostar imenso de hip hop e ia ser um dos maiores fãs do Chance The Rapper e do Kanye West, provavelmente o Alex não ia acreditar — eu estava muito mais interessado em rock mais extremo. Isso tudo vai influenciar o que estamos a fazer. O que noto nas maquetes que estamos a fazer é que há um espectro muito variado, de cores e temperaturas e para nós, às vezes, é assustador ver a quantidade de géneros diferentes que conseguimos fazer. A parte complicada é juntar tudo e criar uma peça coerente.

 

Queres dar exemplos?

Uma das canções que fizemos consegue ter elementos de disco sound dos anos 1960, como depois uma parte mais eletro-punk-clash, como uma outra mais trap. Isso tudo numa canção. O nosso som está a tornar-se numa espécie de salada de frutas de géneros diferentes que juntos formam isto a que chamamos D’Alva.

 

“Se eu dissesse ao Alex de há dez anos que em 2017 ele ia gostar imenso de hip hop e ia ser um dos maiores fãs do Chance The Rapper e do Kanye West, provavelmente o Alex não ia acreditar — eu estava muito mais interessado em rock mais extremo”

 

Já há data para lançamento do disco? Algum mês durante este ano?

Ainda não (risos).

 

Ainda estão só na fase das maquetes?

Não sei. Ainda não temos nenhuma data. Temos algumas maquetes e é preciso perceber o que é que fica no disco e o que não fica. Enquanto estamos a produzir estamos a escrever ao mesmo tempo. Este disco está a ser um bocado diferente: estamos a começar pelas ideias e só vamos prestar atenção às letras mais a seguir. É uma fase muito inicial, mas existe uma ideia do que se quer fazer, que é algo especial para quem já nos conhece, mas também para quem não conhece.

 

Nesta altura estão mais ligados ao trabalho de criação ou também têm previsto fazer concertos?

Estamos a agendar alguns concertos, por espetáculos pontuais e especiais. Vão haver várias coisas que só vão ser vistas uma vez e em alguns pontos do país, porque não queremos fazer um concerto em que tocamos o #batequebate  do início ao fim. Provavelmente já iremos tocar músicas do novo disco, porque há algumas que já se podem tocar!

 

“Gosto de estar exposto até a opiniões que são contrárias à minha, porque faz-me ter a noção de que o mundo não é igual ao meu feed do Facebook — em que toda a gente concorda comigo. As pessoas vão tendo acesso a partes da criação”

 

Este primeiro avanço, “Amor Missão”, vem com a voz do Sir Scratch. Esta ideia de puxar mais gente para junto dos D’Alva é para continuar? Vamos ter mais convidados?

Não te sei responder… temos essa intenção, mas não depende apenas de nós. Neste caso particular do Sir Scratch, foi uma colaboração super-orgânica. Ele e o Ben falam muito na Internet — o Ben já é fã dele há muito tempo. Mas foi tão simples como ele estar a ver o livestream das nossas gravações e ele perguntar “quando é que fazemos uma música juntos?” e nós respondermos “porque é que não passas por cá e gravamos?”. Foi o que aconteceu: foi lá, gravou a parte dele em frente às câmaras e gravou com toda a gente a ver. Também temos vindo a conhecer muita gente: escrevemos bastante para outros artistas, algo de que gostamos muito — e não sei se isso não terá algum reflexo no segundo disco, porque gostaríamos de ter colaborações e até imaginamos que seria fixe nesta ou naquela canção ter um convidado. É uma questão de ver se é possível fazer acontecer.

 

Tem sido possível acompanhar a criação deste novo trabalho, via streaming, à medida que ele vai sendo criado. Isso é para continuar?

Acho que sim. Eu gosto desta parte, acima de tudo do lado do diálogo, de saber que estou em contacto com outras pessoas. E gosto de estar exposto até a opiniões que são contrárias à minha, porque faz-me ter a noção de que o mundo não é igual ao meu feed do Facebook — em que toda a gente concorda comigo. As pessoas vão tendo acesso a partes da criação.