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Charles Bradley: a soul não tem idade

Fotografia: Cortney Armitage

É envolvente como Otis Redding e intenso como James Brown. Charles Bradley tem 67 anos e é um herói soul do séc. XXI.

Charles Bradley passou a maior parte da sua vida a viver nas margens, a ganhar a vida como cozinheiro, de vez em quando a cantar. Saiu de casa aos 14 anos, pouco depois de ter visto James Brown ao vivo pela primeira vez e ter ido para casa tentar imitar-lhe os movimentos e atitude em palco. O Padrinho da Soul ficou sempre como modelo e foi a fazer de James Brown num bar de Brooklyn, como Black Velvet, que foi descoberto por Gabe Roth, um dos fundadores da Daptone Records. Bradley já tinha mais de 50 anos, estava prestes a lançar o primeiro disco e a transformar-se numa estrela, mas poucos acreditavam.

O primeiro single, “Take It As It Come”, saiu em 2002; o primeiro álbum, No Time for Dreaming, com a Menahan Street Band, em 2011. Nesse intervalo temporal, Bradley reencontrou-se: com a vida, as suas aspirações musicais e também a mãe, com quem apenas tinha vivido durante algum tempo na infância. A história pessoal de Bradley tem drama, e isso faz diferença na forma como canta. A família era pobre, viveu na rua, foi vítima de violência, esteve preso. Tudo isso moldou a personalidade artística de Bradley, conhecido como The Screaming Eagle of Soul pela intensidade extrema como canta. A verdade é que vem tudo das entranhas, toda a entrega é real e nasce da perda e da adversidade (para perceber melhor a sua peculiar história de vida, ver o documentário Soul of America, de 2012)

No novo álbum, Changes, Bradley socorre-se de um clássico de Black Sabbath (que confessa só ter conhecido recentemente) para dar título a um disco que fala realmente de mudanças. E de amor, claro. Depois de Victim of Love, o segundo álbum (2013), ter provado que ele não era apenas uma excentricidade retro soul, Changes afirma-se como o seu disco mais completo, mostra um cantor mais à vontade do que nunca com as atribulações da existência humana e as suas próprias dúvidas e hesitações, sempre suportado por músicos extraordinários, que dominam sem reservas os léxicos da soul e do funk. Numa idade em que quase todos os músicos pensam numa retirada estratégica, Bradley vive na plenitude o seu recém-conquistado estatuto de estrela, e a pele assenta-lhe bem, mesmo com todas as dores envolvidas no processo.

Charles Bradley, animal de palco irrequieto, teatral e genuíno, regressa a Portugal com His Extraordinaires para mostrar toda a força da soul clássica reinventada no século XXI: 26 de Novembro em Lisboa, no Vodafone Mexefest, e 28 de Novembro, no Coliseu do Porto (concerto Antena 3).

Isilda Sanches