A letra de “Strange Fruit” é negra e violenta como poucas na história da música popular, chega a ser surpreendente ter sido gravada no final dos anos 30 e ter conseguido tanto sucesso. A “fruta estranha” de que fala são os corpos de dois negros enforcados numa árvore, um linchamento documentado numa fotografia de 1930 que serviu de inspiração a Abel Meeropol, um judeu do Bronx, para escrever o poema que alguns anos depois chegaria às mãos de Billie Holiday. “Strange Fruit” é uma canção sobre o racismo, sobre a indiferença em relação ao mal, que conheceu muitas versões mas nenhuma com o poder arrepiante de Lady Day.
É uma das melhores canções de Zeca Afonso e uma das mais duras canções de intervenção em Portugal, diz tudo sem nomear nada, numa época de censura apertada. Vampiros saiu originalmente no disco Dr. José Afonso em Baladas de Coimbra, em 1963, que viria a tornar-se num dos mais importantes hinos anti salazaristas, determinante no lançar das sementes do que viria a ser o 25 de Abril. Apesar de ter sido escrita num contexto sócio-político muito específico, a canção mantém ainda hoje toda a pertinência apesar de ter sido escrita há mais de 50 anos e de já não vivermos numa ditadura política.
É um verdadeiro hino do movimento hippie dos anos 60 mas continua a exprimir a vontade e necessidade de mudança ainda hoje. Dylan escreveu “The Times They Are A-Changing” no final de 1963 e confessou mais tarde que a sua intenção era mesmo fazer uma grande canção, de melodia simples mas discurso incisivo e frases hipnóticas. Na melhor tradição da música de intervenção e influenciada pelas baladas irlandesas e escocesas, “The Times They Are A-Changing” é, em grande medida, uma canção de luta pelos direitos civis. Conheceu versões de Nina Simone, Beach Boys, Simon & Grafunkel, Joan Baez ou Bruce Springsteen.
What’s Going On, o álbum, é todo ele um manifesto político, até mesmo ecológico (“Mercy Mercy Me”), é por isso um disco de mudança para Marvin Gaye que tinha sobretudo reputação de ser voz do romance. Lançado em 1971, todo o disco é inspirado nas histórias de guerra do irmão de Marvin, então regressado do Vietname, mas a faixa que lhe dá título, mais do que nenhuma outra, traduz uma inquietação espiritual com repercussões políticas. Continua uma poderosa canção de protesto contra os males do mundo e das pessoas, um comovente apelo ao amor e à paz que ecoa hoje com a intensidade original. Mais do que um clássico soul, uma canção universal.
São muitos os hinos políticos de Bob Marley mas “Get Up Stand Up” é claramente o mais amplificado. Na verdade a canção é de Marley e Peter Tosh e apareceu pela primeira vez no álbum Burnin’ dos Wailers, de 1973. Inspirada em “Slipping into Darkness”, dos War, a canção foi escrita durante uma digressão pelo Haiti, é uma reflexão sobre a pobreza e sofrimento dos habitantes do pais, mas a mensagem é universal, apela à acção em nome dos Direitos Humanos, fala contra a opressão e as desigualdades. “Get Up Stand Up” foi adoptada pela Amnistia Internacional como hino não oficial e está entre as canções mais famosas de Bob Marley.
Fela Kuti não foi “The Black President” em vão. A sua missão era restaurar o orgulho dos nigerianos e de todos os negros de Africa, usando o afrobeat como veículo espiritual. A sua força desestabilizadora era temida pelas autoridades e a Kalakuta Republic, a comuna de Lagos onde vivia e mantinha o clube The Shrine e o estúdio de gravação, foi várias vezes atacada pela polícia durante os anos 70, acabando por ser destruída em 1977, provocando dezenas de feridos graves, entre eles a mãe de Fela. “Shuffering and Shmilling” foi uma das canções que Fela compôs no rescaldo dos trágicos acontecimentos e alerta para o poder negativo da religião sobre o povo africano, mantido em “sofrimento feliz” com a promessa da recompensa após a morte. Em 2002 Jorge Ben, Talib Kweli, Bilal e Positive Force fizeram uma versão para Red, Hot + Riot a primeira de duas compilações de tributo a Fela Kuti feitas pela série Red Hot.
Escrita em 1974, “Liberdade” abre o álbum À Queima Roupa e é uma das canções mais emblemáticas do pós 25 de Abril e um retrato do Portugal da altura e das aspirações da revolução: paz, pão, habitação, saúde e educação eram, mais do que palavras de ordem, necessidades prementes num pais que acabava de sair de uma ditadura de 41 anos. É das canções mais conhecidas de Sérgio Godinho, considerada uma espécie de proto rap (pela métrica das palavras) e reclamada como influência por MC’s portugueses como Capicua (não só a canção, mas toda a obra de Sérgio Godinho),
É verdade que, de forma mais ou menos explicita ou iconoclasta, todo o punk foi (é) político, mas no caso dos Clash, isso é um pouco mais verdade no que na maioria dos casos. Há conteúdo e comentário politica em várias canções do Clash mas optámos por “Know Your Rights”, canção do álbum Combat Rock de 1982, por ser a mais explícita, logo no título. A canção fala de forma sarcástica sobre os direitos humanos, resumindo-os a três: o direito de não ser morto, a não ser que seja por um policia ou aristocrata, o direito a comida e dinheiro e o direito à liberdade de expressão. Pearl Jam e Primal Scream, entre outros, fizeram versões de “Know Your Rights”.
“Smalltown Boy”, canção de Age of Consent, o álbum de estreia de Bronsky Beat, é um verdadeiro hino gay e uma das canções pop mais explicitas na luta contra a homofobia. O próprio videoclipe é bastante claro na temática o que causou alguma celeuma na época. Isso não impediu que “Smalltown Boy” fosse um grande sucesso comercial chegando a primeiro lugar dos tops em vários países. A sua vertente abertamente homossexual é também notória na parte instrumental, claramente descendente do Hi NRG, género de disco sound mais rápido associado aos clubes frequentados pela comunidade gay na transição dos anos 70 para os 80. A canção tem sido alvo de várias apropriações, incluindo dos Paradise Lost que fizeram uma versão no álbum Symbol Of Life (2002).
Prince sempre foi mais explícito com as políticas do sexo e do amor, mas também fez comentário social vincado e isso é particularmente verdade em “Sign of The Times”, a faixa título do álbum duplo de 1987 e do seu 3.º filme. Uma canção sobre Sida, violência, drogas e pobreza, um retrato negro da América de Ronald Reagan e do mundo. Escrita num domingo, aparentemente o dia em que Prince era mais dado à introspecção, “Sign of The Times” fez sucesso, apesar da temática negra e do groove funk minimal, construído com pouco mais do que sintetizador e caixa de ritmos. Uma canção de protesto que faz dançar o mundo inteiro.Uma das maiores de Prince.
O hip hop sempre foi sobre passar mensagens (basta ouvir The Message de Grandmaster Flash) mas com os Public Enemy a sua dimensão política reforçou-se. Inspirados por profetas do Black Power como Gill Scott Heron, os Public Enemy não tinham medo de acusar e faziam-no com estrondo. “Fight the Power” foi feito para Do The Right Thing (Não Dês Bronca), de Spike Lee, um filme de 1989 sobre a tensão racial em Brooklyn, mas acabou por ganhar vida própria e tornou-se numa canção emblema (tal como “Don’t Believe The Hype”, do ano anterior). A canção é construída essencialmente com samples (de James Brown, Sly and The Family Stone, Bob Marley…) mas tem a participação do saxofonista Brandford Marsalis. Chuck D afirmou que era a canção mais importante dos Public Enemy
Os Disposable Heroes de Michael Franti, tal como a sua encarnação prévia, os Beatnigs, são dos melhores exemplos de discurso politizado no hip hop e “Music and Politics” uma verdadeira bandeira. A canção faz parte do álbum de estreia do projecto, Hipocrisy Is The Greatest Luxury, editado em 1992, e tem participação de especial do guitarrista Charlie Hunter. Carlos Nobre, Carlão, assinou uma versão da música em português no segundo volume de Voz e Guitarra (2013).
Quando saiu, no final de 1992, esta música explodiu como uma bomba e ainda hoje se encontram os estilhaços. “Killing In the Name” foi o primeiro single do grupo de Zach la Rocha e Tom Morello, é uma de várias canções de protesto contra o espancamento de Rodney King pela polícia de Los Angeles, em 1992. O seu discurso é contra o racismo e a violência policial, mas o refrão “fuck you I won’t do what you tell me!” deu expressão a todo o tipo de rebelião, incluindo a adolescente. O efeito contestatário não esmoreceu e continua transversal. Em 2009, por exemplo, foi criada uma campanha para levar “Killing In the Name” a número 1 do top britânico no Natal, tentando assim impedir que primeiro lugar não fosse ocupado pelo vencedor do Factor X, como acontecera nos cinco anos anteriores. Apesar (ou por causa) da controvérsia, a canção dos Rage Against the Machine cumpriu mesmo os objectivos mas só na semana natalícia. Zack De La Rocha mantém o seu activismo político e é conhecida a ligação ao movimento Occupy Wallstreet (Os Rage Against The Machine tentaram, aliás, “ocupar” o edifício da Bolsa de Nova Iorque (para filmagens), em 2000, com o realizador Michael Moore).
Há Já Muito Tempo Que Nesta Latrina o Ar Se Tornou Irrespirável, de 1998, é seguramente um dos discos mais políticos de Mão Morta, até porque é aquele que a banda assume de forma mais declarada as ligações ao Situacionismo e a autores como Guy Debord. Nesse sentido, em “Directo Para A Televisão”, é uma crítica à sociedade de consumo, ao espectáculo como meio de dominação e aos meios de comunicação, sobretudo a televisão, como forma de manipulação da informação e dos indivíduos. O videoclipe da canção tem várias participações especiais, entre elas de Henrique Amaro e Sofia Morais.
Bruce Springsteen nunca foi tímido nas críticas à América. São vários os exemplos de canções suas com forte veia interventiva mas “American Skin (41 shots)” está nesta lista por ser uma das mais recentes e também das mais emblemáticas. “American Skin” fala de Amadou Diallo, emigrante guineense nos Estados Unidos, morto pela polícia de Nova Iorque à porta de casa com, em 1999. Tal como aconteceu com o espancamento de Rodney King, em 1992, foram várias as canções que falaram deste caso de enorme impacto social e mediático. Apesar de ser tocada ao vivo desde 2000, e de aparecer no álbum Live in New York City, esta canção só conheceu uma versão de estúdio em 2014 (álbum High Hopes). Segundo Springsteen, é uma das suas melhores canções e decidiu gravá-la por achar que merecia uma versão a sério gravada em estúdio.
Valete, a par de Chullage, tem sido dos rappers portugueses com voz politicamente mais activa. Neste “Bolas e Consciência”, arma-se de rimas certeiras com métrica precisa para falar de religião, de pose em detrimento de conteúdo, de revolucionários de bolso. A canção tem produção do brasileiro Nave e foi lançada para promover os concertos de 2012 no Campo Pequeno em Lisboa e no Coliseu do Porto.
Segundo Polly Jean Harvey, Let England Shake, o seu oitavo álbum, editado em 2011, foi o primeiro disco em que se sentiu à vontade para fazer comentário socio politico com a sua música. No novo The Hope Six Demolition Project, essa vertente é claramente assumida, mas as subtilezas de discurso de “Let England Shake” e a sua visão da Inglaterra na história e no séc XXI, fazem-nos escolher a faixa título do disco precisamente pela forma poética, mas efectiva, como apela ao sobressalto social.