A Vinda de Brian

Parte 3


Por Ricardo Saló

O filho mais velho e o disco do meio

 

 

Contemplando os factos, agora, com confortável distância, ninguém arriscará a cabeça se reconhecer em Pet Sounds o 3.º vértice do Grande Triângulo do Existencialismo Moderno-Contemporâneo em Música.

Em 1955, Frank Sinatra terá vivido o momento mais intenso da vida no campo emocional. Causa: o colapso da sua relação amorosa com Ava Gardner. Efeito: “In The Wee Small Hours Of The Morning”. Primeira obra maior da música popular nascida da depressão individual em meio urbano.

 

Frank Sinatra
“In The Wee Small Hours Of The Morning”

Em 1966, e antecedido – à distância- do ‘programático’ “In My Room”, Brian Wilson não só sublinhava a dificuldade de relacionamento com o seu tempo (“I Wasn’t Made For These Times” não sugere qualquer ambição a visionário da música popular, antes tratando de consagrar esse crescente divórcio da realidade), como manifestava total indisponibilidade para o que não poderia deixar de ocorrer no crepúsculo da juventude: despedir-se da idade da inocência.

O disco começa com a manifestação do desejo utópico de ‘salto’ para o estádio seguinte de uma ‘vida fácil’ com aspirações de eternidade (“Wouldn’t It Be Nice”), procura consolo onde quer que se possa encontrar (“You Still Believe In Me” – para mais pormenores sobre o irrealismo do juízo, leia-se “A Nossa Necessidade de Consolo é Impossível de Satisfazer”, de Stig Dagerman) e termina mergulhado na dolorosa verificação da passagem do tempo e da sua perda de inocência. Transferida esta para uma antiga paixão de liceu.

Na verdade, a Carol que Brian adorou – não existe, em “Caroline No”, nenhuma Caroline, mas um engenhoso jogo fonético, que transforma a frase “Carol, I know” em “Caroline, No”, como o comprova a passagem em que Tony Asher, autor do texto, é obrigado a mudar o tempo do verbo e escreve “Carol, I knew” -, lembrada como uma bela rapariga de cabelo comprido, é, então, uma mulher casada de cabelo curto.

A importância deste aspecto está, estreitamente, relacionado com a circunstância de Brian se enquadrar numa ‘cultura masculina’ que via no cabelo curto de uma mulher um sinal contrário à inocência. Quando Brian lhe recorda que bem ficava de cabelos compridos e lhe pergunta porque não os deixa voltar a crescer, está, afinal, a exprimir a sua própria dificuldade em dizer adeus à inocência.

É o disco mais belo, alguma vez feito, de um adolescente que não quer deixar de o ser. Que o disco tenha um final, perdidamente, triste, não deixa de ser irónico num ‘objecto de arte’ oriundo da ‘terra do happy end’. E tanto o despropositado acrescento de cães a ladrar e de um comboio a passar como a escolha de uma capa no limiar do caricato são expressões de vontades alheias a Brian, no sentido de esvaziar o disco do seu verdadeiro conteúdo e de manter intacta a imagem clássica – ‘fun, fun, fun’- de The Beach Boys.

Joy Division – “The Eternal”

 

 

Em 1980, o final infeliz adquiria contornos de realidade, quando um rapaz sem perspectivas de futuro resolveu o seu impasse existencial pela antecipação da hora da partida.

Editado, já a título póstumo, Closer, dos Joy Division, de Manchester, permanece um objecto raro de desejo de elevação (sem arremedos de ‘grandeur’) da música pop a ritual de sublimação mística. “The Eternal” é o momento da redenção.