O desejo de ter filhos é transversal a homens e mulheres, embora o “alarme” possa soar em momentos diferentes. Para Alberto Fradique, médico ginecologista e obstetra no Hospital Lusíadas Lisboa, o relógio biológico pode ser comparado ao “instinto de reprodução e esse é comum a todos os animais”. De facto, este termo, que inicialmente definia ciclos biológicos como o do sono, adquiriu o significado que tem hoje na década de 70, quando se começou a falar do dilema feminino: filhos ou carreira. Atualmente esta questão persiste e explica, em parte, a maternidade tardia cada vez mais frequente. Conhecer os riscos e os cuidados é essencial para uma gravidez tranquila.

Momento perfeito

Biologicamente falando, a idade ideal para engravidar, de acordo com Alberto Fradique, “situa-se entre os 20 e os 30 anos, altura em que há menos problemas de saúde e a pessoa tem mais resistência. Embora o corpo da mulher esteja preparado para uma gravidez, esta é uma sobrecarga para o organismo, portanto se for mais nova terá melhores condições.” A este facto acresce o risco de doenças genéticas, que aumenta com a idade. No sexo masculino esta barreira temporal não é tão linear. “Do ponto de vista biológico, não há um aumento de defeitos cromossómicos como existe na mulher, mas pode haver mais dificuldade em engravidar, a vitalidade dos espermatozoides pode ser menor”, exemplifica.

Mãe após os 35

Atualmente, há cada vez mais mulheres a terem filhos mais tarde. Uma questão que não se prende com o relógio biológico, mas com “os fatores sociais, económicos, aspirações de independência e de carreira que as mulheres têm”, afirma Alberto Fradique. Acresce ainda o contexto de crise em económica que leva casais a adiar esta decisão. Um adiamento que passou de exceção, há algumas décadas, a ser quase uma regra, recorda o médico: “Quando me formei, uma grávida aos 35 anos era classificada como uma grávida idosa, depois passou designar-se gravidez tardia. Nesse tempo eram situações especiais, agora já são muito frequentes.”

Prós e contras

Será que ser mãe mais tarde traz benefícios? Na opinião do ginecologista, a principal vantagem estará na “maior maturidade dos pais nestes casos. As desvantagens são do foro biológico, com maior incidência de complicações durante a gravidez.” Seja qual for a designação usada para a gravidez tardia, o facto é que o avançar da idade comporta riscos, “nomeadamente do ponto de vista genético”, explica o médico: o risco de “doenças genéticas como a Trissomia 21 aumenta. Esse aumento não é linear, entre os 20 e os 35 anos sobe muito pouco, entre os 35 e os 40 mais, daí até aos 45

acentua-se e depois é quase uma subida na vertical. Aos 50 anos estima-se uma probabilidade de um em cada dez casos”. Além destas doenças, há que ter em conta a resistência do organismo às mudanças físicas impostas pelos nove meses de gravidez. “Há mais tendência para diabetes, hipertensão na gravidez”, ilustra.

Gravidez tranquila

Seguir um estilo de vida saudável é o passaporte para uma gravidez tranquila. A alimentação deve valorizar os produtos frescos e nutritivos, em detrimento das opções processadas ou ricas em açúcar e gorduras, a atividade física deve ser regular. Moderação é a palavra-chave, defende o médico, para quem os cuidados são “ter uma vida moderada – na alimentação, desporto. Não há problema em ter atividade física ou sexual na gravidez, mas devem ser evitadas situações de cansaço extremo ou com risco de quedas. Durante a gravidez o centro de gravidade da mulher muda e o risco de acidentes é maior. Caminhar é bom, mas correr até à exaustão já não.” O ritmo de vida deverá ser adaptado em função do tempo de gravidez. “É comum no último mês a mulher repousar mais em casa. Nas mulheres que engravidam mais tarde a necessidade de interrupção da atividade pode surgir mais cedo”, alerta.

Na gravidez após os 35 anos, a agenda de consultas segue o esquema normal. “O acompanhamento médico é semelhante, mas há um rastrear mais atento dos problemas genéticos”, sublinha o especialista.

A gravidez após os 35 anos é uma opção cada vez comum, mas que requer cuidados especiais. Um estilo de vida saudável e equilibrado e o acompanhamento médico adequado permitem viver esta etapa sem problemas.

Relógio biológico masculino toca aos 35 anos

A idade do pai pode ter uma grande importância na hora da conceção, conclui um estudo sobre infertilidade realizado a mais de 12 mil casais em Paris, França.

A pesquisa, realizada em 2008 no Instituto Nacional Francês de Pesquisa Médica, encontrou uma forte ligação entre a idade do pai e as hipóteses de conceção de um bebé.

O estudo sugere que a taxa de insucesso aumenta significativamente quando o potencial pai tem mais de 35 anos e que a possibilidade de conceber cai drasticamente após os 40 anos.

Segundo um artigo publicado na “Sky News”, o relógio biológico masculino começa a tocar a meio da casa dos 30, quando a taxa de insucesso ronda os 19,5 por cento. Aos 40, esta taxa já é de 32 por cento.

A idade da mulher é globalmente aceite como o fator que afeta a fertilidade. Só agora a idade paternal é referenciada como um forte fator de influência.

Jacques Mouzon, autor do relatório, refere que «as pessoas dizem que os homens são férteis até à velhice, incluindo aos 90 anos. Isso pode até ser verdade algumas vezes, mas o produto é diferente e existem mais problemas no sémen à medida que a idade avança».

Allan Pacey da Universidade de Sheffield, não ficou surpreendido com os resultados. À “Sky News” disse que «vários estudos demonstram que é mais difícil para os homens mais velhos conseguirem ter filhos.»

Em 2000, um estudo demonstrou que ao atingir os 40 anos de idade, um homem tem metade das hipóteses de engravidar uma mulher, em comparação com um de 25 anos.

Alterações hormonais ou… pressão social?

Há relógios biológicos em vários momentos da nossa vida. Relógio para entrar na puberdade, relógio para entrar na menopausa, relógio mensal da menstruação, relógio para facilitar o acordar e o adormecer. Mas não há relógio biológico associado ao desejo de ser mãe. «Não existe. O que existe é uma pressão puramente social e contextualizada aos momentos que vivemos», refere Jorge Dores, médico endocrinologista do Centro Hospitalar do Porto e professor no ICBAS – Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. Não há, portanto, mudanças hormonais, nem tiquetaques internos. Há pressão social e cultural. Veja-se o exemplo das mulheres ciganas que são mães bastante cedo.

«”Relógio biológico” é o nickname para um conjunto de circunstâncias ou motivações que levam a mulher a ponderar ser mãe», diz Marcela Forjaz, ginecologista e obstetra. Mas se houvesse um relógio a bater ao ritmo certo, então o alarme devia soar por volta dos 25 anos. «Nem demasiado novas, em que o corpo parece não estar ainda completamente aperfeiçoado para essa função, nem demasiado velhas, em que a matéria-prima para a procriação vai perdendo qualidade», descreve.

A idade pesa nesta questão da maternidade. A idade média para o primeiro filho anda nos 30,2 anos, há um momento a partir do qual a fertilidade diminuiu, e a qualidade dos ovócitos tem tendência a deteriorar-se com o passar dos anos. Marcela Forjaz junta outros ingredientes à conversa. «Ao desejo de ser mãe – sejam quais forem as motivações – sobrepõem-se vários fatores que fazem que este seja adiado, inibido, substituído. À pulsão que possa existir com génese emocional, quem sabe biológica, no sentido da maternidade, sobrepõem-se a decisão, a análise consciente de fatores externos que podem condicionar a sua realização.»

Há incertezas, escolhas, momentos, prioridades. «Existe um relógio biológico que vai sendo ignorado, em que individual e socialmente os parâmetros são redefinidos de forma artificial desrespeitando a natureza mais primitiva, substituindo a definição biológica pela conveniência individual», comenta a obstetra, sublinhando que isto não é uma crítica «no sentido de que existe um egoísmo generalizado em que só depois de se cumprir determinados objetivos e confortos se alargam as perspetivas à aceitação da maternidade, mas antes ao reconhecimento da preocupação, eventualmente excessiva, de reunir as melhores condições para esse fim.»

Ser mãe faz parte de um desenho familiar tradicional. «A mulher portuguesa é educada tendo como referência o modelo familiar tradicional de que, naturalmente, fazem parte os filhos», diz Cláudia Vieira, presidente da Associação Portuguesa de Fertilidade. Os tempos mudaram e há fatores e razões que agora se misturam quando a conversa anda à volta de ter ou não ter filhos. Há questões que têm de ser ponderadas. Estabilidade financeira, investir numa carreira profissional, escolher um parceiro para partilhar um projeto de parentalidade. Há quem se preocupe com o adiamento da maternidade. A partir dos 35 anos, os óvulos perdem qualidades, há maior probabilidade de infertilidade, os riscos de complicações na gravidez aumentam, há mais hipóteses de partos prematuros ou de malformações no bebé. E há quem não dê importância a essa educação tradicional.

«Embora menos frequente e mesmo reunidas todas as condições materiais, algumas mulheres não se sentem emocionalmente atraídas pela maternidade. Os motivos são vários e, em momento algum, deverão servir para julgamentos de valor. São mulheres, na sua maioria, com um papel bastante válido que contribuem ativa e positivamente para a sociedade», comenta Cláudia Vieira. Vivemos em sociedade, o que implica aceitar a diferença e a diversidade para que, sublinha, «mulheres, mães ou não, se sintam respeitadas pelo papel que desempenham.»